Vivem da formação, mas o novo coronavírus trouxe-lhes asfixia e desafios sem precedentes. Uma tragédia para clubes com tão poucos recursos.
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As competições terminaram. Não há barulho nas bancadas nem jogadores a fazer o que mais gostam. As instalações estão vazias. Continuarão sem ninguém. Não há receitas. Mas as despesas continuam e há que encontrar soluções, mesmo que alguns clubes tenham apoios camarários. Entre a ajuda dos sócios e pais e na esperança numa próxima temporada melhor, há coletividades que correm o risco de fechar. Que vivem numa luta constante contra o tempo. Do futebol ao andebol, ao basquetebol, ao voleibol e ao hóquei em patins. Todos querem voltar a treinar e a jogar. As saudades apertam até ao fim do pesadelo.
Matosinhos
Junho, um mês decisivo para o Senhora da Hora
"É uma situação trágica para este tipo de clubes". A afirmação de Vasco Carvalho, presidente do Senhora da Hora, não deixa margem para dúvidas: a covid-19 foi a grande adversária da época e trouxe graves consequências económicas. "Deixamos de ter qualquer tipo receita. Já tínhamos algumas dificuldades, que se agravaram. Vamos ter de arranjar maneira de as ultrapassar", conta ao JN. A solução passou por colocar "alguns funcionários em lay-off", mas outras alternativas também já estão a ser pensadas. E numa altura em que todos lutam contra o mesmo, a ajuda dos adeptos e sócios tem sido fundamental para o clube de Matosinhos, com 88 anos de existência e com cerca de 300 atletas nas equipas masculinas e femininas.
"Os sócios mais antigos têm pago as quotas. Mas é muito pouco. Temos muita vontade de ultrapassar isto. Sócios, adeptos e habitantes da cidade estão a mobilizar-se. Os adeptos têm-se mostrado bastante disponíveis, já se propuseram a pintar o clube e fazer as obras normais de quando acaba a época. Já se propuseram a participar e a oferecer material, o que já nos dá uma força. Pais e atletas também têm sido impecáveis...", acrescenta Vasco Carvalho.
Apesar de toda a ajuda, receitas precisam-se e, se os treinos não voltarem em junho, o clube corre mesmo o risco de fechar: "Se nessa altura a atividade voltar, vamos conseguir sair vivos disto. Caso contrário, será muito difícil... Já estamos a tratar de dar todas as condições de segurança. Temos atletas ligados à área de medicina, que nos estão a ajudar", garantiu.
Sport Clube Senhora da Hora
Sócios: 1200
Atletas: 300
Vila Nova de Gaia
Oliveira do Douro já prepara a próxima época
A competição traz saudades, mas não é o final do sonho. Rafael Borges, de 14 anos, quer ser futebolista, embora saiba "que não é fácil". O lateral-esquerdo sonha jogar no F. C. Porto ou no Liverpool e vê em Alex Telles uma referência. Tem um plano B - professor de educação física ou treinador - mas, ainda que o futuro seja uma indecisão, há uma certeza: o Oliveira do Douro é "uma família". "A época correu bem a nível individual e coletivo. Evoluímos muito, somos muito unidos", conta ao JN.
A data do regresso é uma incógnita. Miguel Moreira, coordenador do futebol júnior do clube de Vila Nova de Gaia, aponta para agosto e garante que o clube já prepara a próxima temporada: "Já estamos a tratar de tudo. Há certas medidas que estamos a pensar em implementar consoante as indicações que nos chegam das autoridades de saúde. Estamos a pôr várias hipóteses em cima da mesa, como reduzir o número de treinos e pedir aos atletas para se equiparem em casa", começa por dizer.
A pandemia obrigou à paragem da competição e trouxe vários desafios. Não houve despedimentos nem lay-off - "o clube vive essencialmente de voluntariado" - mas não há receitas. O que traz consequências. "Terminámos a época muito mais cedo. Isso traz consequências a todos os níveis. Quer a nível desportivo, pois tivemos de terminar os campeonatos mais cedo e vamos regressar depois de um longo período de paragem, quer a nível financeiro porque não cobramos mensalidades. E isso trará problemas", acrescenta.
Clube de Futebol de Oliveira do Douro
Sócios: 951
Atletas: 280
Aveiro
Cortegaça treme mas recusa entrar em desespero
Gonçalo Camboa já nem se recorda do nome do último adversário na 1.ª Divisão da A. F. Aveiro, em juvenis. "Só me lembro de ter sido capitão e de o jogo ter corrido bem", diz o guarda-redes, com um certo embaraço. É que já lá vão mais de dois meses desde esse encontro em Estarreja, e a vida a que ele e os seus colegas estavam habituados deu uma grande volta.
De um momento para o outro, as portas do Parque do Buçaquinho, casa do F. C. Cortegaça, fecharam-se, uma medida de prevenção contra a covid-19. "O burburinho das crianças desapareceu. Isso é desolador", assume Sérgio Oliveira, presidente do clube. Impedida de promover qualquer tipo de atividade, a coletividade viu a receita proveniente das quotizações dos atletas cair para zero. Essa quebra poderia ser compensada com apoios de outras entidades, mas "se as empresas fecharam e os encarregados de educação e sócios têm dificuldades em manter os seus empregos, eles não vão apoiar uma instituição quando têm graves problemas em casa", refere.
Ainda assim, Sérgio Oliveira recusa entrar em desespero. Como o F. C. Cortegaça conseguiu saldar as dívidas, "quando abrir as portas não estará a dever nada a ninguém, o que é importante". A próxima época já está numa fase adiantada da planificação, e o clube espera "reabrir brevemente".
Agora, Gonçalo Camboa tem aproveitado o tempo para estreitar laços em casa. "Nunca tomava o pequeno almoço com a família, porque quando acordava eles já tinham saído. Isto deu para nos aproximarmos mais".
Futebol Clube de Cortegaça
Sócios: 300
Atletas na formação: 250
Guimarães
Santiago de Mascotelos vive asfixiado
A aposta forte na formação, iniciada em 2015, levou o Santiago de Mascotelos, do concelho de Guimarães, a quadruplicar o número de jogadores cinco anos depois. Agora são 160, mas estão parados por causa da pandemia de covid-19 que causou transtornos financeiros graves no clube. Os atletas deixaram de pagar a mensalidade de 25 euros e isso criou um défice mensal de quatro mil euros, inflacionado no final da época por um total acumulado de 20 mil euros. "São verbas importantes para manter o normal funcionamento. Temos despesas fixas como a luz, a água e a manutenção dos espaços" explica João Faria, o presidente do clube.
O Santiago de Mascotelos orgulha-se de ter meios bem apetrechados como um campo relvado, um campo de futebol de sete e várias infraestruturas de apoio, remodeladas ou construídas de raiz com a ajuda da autarquia. Agora, todas elas estão desertas e deixadas a um silêncio triste e confrangedor. As dificuldades de tesouraria são tantas, que a equipa B já não será criada na próxima época.
João Fernandes, de 17 anos, com uma ligação umbilical ao clube, sente como ninguém a privação de jogar futebol. Habituado a cinco treinos por semana e a um jogo ao fim de semana, o guarda-redes aguarda pacientemente pelo arranque da próxima temporada. "É um período difícil", admite. Em confinamento desde março, resta-lhe esperar por melhores dias. "Cabe a cada um de nós dar passos para voltarmos à normalidade. Não arrisque a sua vida e a dos outros".
Santiago Mascotelos Futebol Clube
Sócios: 150
Atletas na formação: 160
Viana do Castelo
Stique a meia haste e fé ao alto na ED de Viana
Cassete atrás, 9 de março de 2020. Os patins estão arrumados no armazém e os stiques encostados a um canto. E é assim que permanecem até aos dias de hoje. A Escola Desportiva de Viana (EDV) é apenas mais uma, entre outras tantas, que saiu vítima da batalha contra a pandemia do novo coronavírus. Na verdade, desde que a Câmara Municipal colocou trancas aos pavilhões, cerca de 60 jovens foram obrigados a deixar a paixão pelo desporto de lado. "Estamos completamente parados desde março. Não há mensalidades e a autarquia comunicou que os apoios estão cancelados. A EDV tem uma média orçamental de 180 mil euros em todas as modalidades. Se somarmos tudo, estamos a falar numa quebra a rondar os 80% na receita anual. Vai ser preciso muita paciência", disse Rui Silva, presidente do clube vianense. E neste cenário que ainda se vislumbra muito nublado, o futuro fica difícil de perspetivar.
"As escolas vão ser os barómetros dos clubes. Quando abrirem portas, acredito que também poderemos fazer o mesmo. Até lá, vai ser impossível", completa.
Em casa, num sossego que cada vez mais se torna angustiante, Artur Fão tem feito de tudo para manter a forma física. O vírus parece, pelo menos para já, não querer dar tréguas, mas não é isso que lhe afugenta os sonhos. Aos 15 anos, a vontade do guarda-redes dos juvenis da EDV se tornar profissional constitui-se como o combustível vital para uma viagem que ainda se prevê bem longa.
Escola Desportiva de Viana
Atletas na formação: 60
Sócios: 1900
Matosinhos
Académica de São Mamede mantém a honra
A descoberta de um novo vírus, batizado de SARS-Cov-2, nas últimas semanas de 2019, virou o desporto, da forma como o conhecíamos até esse exato momento, de pernas para o ar. Em São Mamede de Infesta, Matosinhos, as manchetes e remates à rede deram lugar a um silêncio ensurdecedor. O pavilhão, que diariamente recebia centenas de jovens, esvaziou para nunca mais se encher. E só quem sente o voleibol com paixão, poderá entender o vazio que permanece. "Neste momento, podem-se criar milhões de cenários. A incerteza é demasiada e só mesmo com muita dinâmica e criatividade é que podem surgir soluções viáveis", disse Tito Conrado, presidente da Associação Académica de São Mamede. As previsões mais animadoras apontam para uma quebra a rondar os 60% na faturação anual. Mas nem as dificuldades impedem o clube de honrar os compromissos. "Estamos a liquidar 50% dos salários dos treinadores. Deixamos as mensalidades ao critério dos pais o pagamento dos meses que faltam. São uma parte essencial da saúde económica do clube e só temos a agradecer a boa vontade que tem existido".
Alheia a estes números de complexa definição está Mariana Almeida. Em casa, no conforto do lar e acompanhada por aulas em videoconferência, tem dedicado grande parte do tempo aos estudos. As saudades de tocar na bola, partilhar o pavilhão com as amigas e ouvir as instruções dos treinadores são muitas. Chega até a ser irritante. Mas, até que tudo melhore, este é um esforço essencial.
Associação Académica de São Mamede
Atletas na formação: 370
Sócios: 1200
Vila Nova de Gaia
Gaia reinventa-se em tempos de confinamento
Olhar determinado, ideias no lugar e assertividade no discurso. É assim Miguel Garcia, que pratica andebol desde os oito anos. O bichinho pela modalidade começou a crescer aos poucos, sem que desse conta, enquanto acompanhava jogos pela televisão. Mas os tempos são de mudança, e aquilo que já tinha virado rotina, transformou-se numa miragem apetecível. Pelo menos, para já. "Nunca imaginei que ia ter de passar os dias fechado em casa. Admito que não está a ser nada fácil. No entanto, tenho aproveitado para me concentrar nos estudos", disse. Afinal, no meio de tantas interrogações, a objetividade dos números é a única certeza para o que imagina do futuro. "Estou a terminar o 3.º ciclo e para o ano quero seguir o curso de ciências socioeconómicas. O andebol servia para me abstrair do stress do dia a dia. Espero que volte rápido".
Um sentimento de retoma partilhado por Sílvia Vaz Fernandes. A professora de Educação Física, que assume a função de coordenadora da formação na secção de andebol do Futebol Clube de Gaia, não tem dúvidas que o vírus mais falado do mundo veio para ficar. "Apesar da paragem, cerca de 60% dos encarregados de educação têm colaborado com o pagamento das mensalidades. É uma ajuda muito preciosa uma vez que as dificuldades vão perdurar. A batalha ainda está longe de ser vencida", disse. Mais do que nunca, esta é a altura ideal para repensar opções. "Dentro do que é possível temos dado treinos através da internet. O importante é que os miúdos percebam que o exercício é essencial".
Futebol Clube de Gaia
Atletas na formação: 200
Sócios: 1000
Aveiro
Esgueira busca o triplo mais vital da história
Não importa o país, região ou o desporto que se pratica. O impacto do novo coronavírus é global e tem afetado, indiscriminadamente, tudo por onde passa. Mas no meio de tanta incerteza, que tem levado vários clubes ao desespero, há vestígios, aqui e ali, de sopros esperançosos. Na Esgueira, o basquetebol há muito que já faz parte da sociedade. E nem mesmo a falta de uma data para se ver a bola a entrar novamente no cesto, retira o ânimo ao clube. "Somos transparentes. Sabemos que no período de abril a agosto vamos ter de lidar com uma quebra a rondar os 90 mil euros, mas não é isso que nos vai tirar as forças", começou por dizer Jorge Caetano, presidente do Clube do Povo de Esgueira. Uma avalanche viral que obrigou à adoção de medidas duras. Por isso, os próximos meses vão ser determinantes na definição de novas metas. "Temos funcionários em lay-off, e os 24 treinadores negociaram o pagamento até meio de março. Sei que estão do nosso lado nesta batalha e isso é gratificante. Vamos vencer", concluiu.
Arrancar de forma imparável para o cesto, bloquear um afundanço ou converter um triplo no rebentamento do cronómetro são emoções inerentes ao basquetebol e que há muito não são sentidas. Rita Pedrosa é o espelho de outros tantos jovens que tiveram de colocar a prática desportiva, de forma coletiva, no modo "stand-by". Os dias, "que nunca mais foram os mesmos", têm sido passados "essencialmente a estudar". O curso de medicina veterinária é o próximo lançamento certeiro.
Clube do Povo de Esgueira
Atletas na formação: 250
Sócios: 850