Em outubro, João Almeida parou Portugal graças a uma notável participação no Giro. Foi líder da prova durante 15 dias consecutivos, um recorde absoluto para um ciclista sub-23. A três etapas do fim, cedeu o comando e acabou por terminar no quarto lugar da geral individual.
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Na última semana, provou que o bom resultado em Itália não foi obra do acaso, ao concluir a Volta aos Emirados Árabes Unidos na terceira posição. Uma proeza, já que a prova pertence ao World Tour, o nível máximo do calendário mundial. Com 22 anos, João Almeida, natural de Caldas da Rainha, continua a surpreender e promete voltar a obrigar o país a colar os olhos à televisão durante as suas provas. Em maio, volta a correr o Giro e garante, em entrevista ao JN, que vai ser ainda mais ambicioso.
Acabou de ter uma excelente prestação na Volta aos Emirados Árabes Unidos. Satisfeito?
A minha expectativa era ficar no top 10 e, portanto, foi melhor do que estava à espera, superou as minhas expectativas. A prova, que teve sete etapas, não foi fácil, houve dias com muito vento. Além disso, teve dois dias de montanha. Mas não houve calor extremo, o que foi bom.
Foi a sua primeira prova, após o Giro 2020...
Senti-me bem fisicamente, acima também do que esperava. As sensações foram boas, correspondi bem ao que tinham sido os treinos.
Correu ao lado de Chris Froome, o seu ídolo, e até conversaram.
Sim, falámos um pouco, deu-me os parabéns e disse-me que estava a fazer um bom trabalho. Igual a ele não há ninguém, foi uma grande emoção.
Por ter terminado no quarto lugar em Itália, sentiu mais respeito por si entre os rivais e no próprio pelotão?
De alguma forma, sim. Os adversários estão mais de olho em mim, o que é natural. As expectativas são diferentes mas nunca se sabe o que pode acontecer. Tento corresponder ao que me pedem mas nem sempre as coisas correm bem, podem correr mal. Há muitos aspetos que influenciam a nossa carreira.
Receia que, no futuro, possa não corresponder às expectativas que criou em 2020?
Há sempre essa possibilidade, mas, seja o futuro bom ou mau, quero muito continuar a treinar bem. Sem trabalho, não é possível alcançar objetivos.
No próximo Giro, vai ser o chefe de fila da sua equipa. A responsabilidade será diferente e o seu resultado pode também ser diferente para melhor?
A minha meta é ficar entre os 10 primeiros. Vai ser uma prova bastante difícil e com adversários extremamente fortes. A minha responsabilidade vai ser diferente e, devido à minha boa classificação em 2020, todos vão estar mais atentos, o que significa que pode ser mais difícil para mim. No último ano, não tinha expectativas e tudo acabou por ser surpreendente. Quero ser ainda mais ambicioso e tentar estar bem em toda a corrida.
O percurso dessa edição é mais difícil do que o anterior?
Aparentemente, sim. Haverá ainda mais montanha e menos um contrarrelógio, o que, para as minhas características, não é favorável. É o meu ponto forte. A prova pode ser diferente, até taticamente. Mas tudo é relativo, só quando estivermos na estrada é que saberemos.
Afirmou, no passado recente, que precisava de melhorar na montanha. Aproveitou a pausa para treinar esse aspeto?
Sim, tanto eu como a minha equipa. As maiores diferenças de tempo são conseguidas na montanha e é, por isso, muito importante.
Está preparado para vencer a sua primeira etapa no Giro?
[risos] Seria muito bom se o conseguisse. Continua a ser um sonho e um objetivo, mas nunca é fácil vencer uma etapa numa das grandes voltas.
O facto de lhe ter sido entregue a missão de chefe de fila foi bem aceite por toda a equipa e colegas?
Sim, sem dúvida. Todos nos damos bem e os meus colegas sabem que há espaço para todos. Ninguém ficou melindrado. O meu colega Remco Evenopoel, que tem grande nível, felicitou-me e disse estar pronto para me ajudar. Para mim, é uma grande felicidade liderar a equipa.
Como vai ser a preparação até à prova?
Vou estar nas provas Flèche Wallone, no Tirreno-Adriático e na Volta à Catalunha. Antes do Giro, a minha equipa vai fazer um estágio em altitude.
Passaram quatro meses sobre o fim do Giro, no último ano. Quais as principais recordações?
Ainda me arrepio a pensar nisso, será sempre uma excelente memória, foram tempos extraordinários. O dia em que talvez me senti no pico da felicidade foi quando conquistei, pela primeira vez, a camisola rosa.
Trouxe cerca de 30 camisolas rosa de Itália e já disse que as deu a amigos. Houve alguma que lhe deu mais prazer oferecer?
Dei a pessoas especiais, que me marcaram e me ajudaram. Não vou destacar ninguém porque se calhar seria incorreto.
O dia em que perdeu a liderança, no Stelvio, tornou-se a pior recordação?
Sinceramente, não. Se a perdi no Stelvio é porque conseguiu estar muito dias com a rosa. Para mim, não foi negativo, foi positivo. As pessoas estiveram sempre comigo, mas nesse dia os adversários foram mais fortes. Nem se pode dizer que tive um dia mau porque não tive.
Depois da boa prestação no Giro, o João Almeida e Rúben Guerreiro, vencedor do prémio de montanha, foram recebidos pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Foi um dia especial?
Muito. Foi muito bom visitá-lo. Tanto eu como o Rúben falamos um pouco com ele e ficámos muito agradados com a receção. Deu-nos os parabéns.
Só tem contrato com equipa até ao fim do ano. Já está a tratar da renovação ou pode não continuar?
É um assunto que está a ser tratado pelo meu agente e, à partida, penso que será para continuar.
Aproximam-se os Jogos Olímpicos. Gostaria de participar com a camisola de Portugal?
Gostava muito, mas depende das escolhas do selecionador. Tenho mostrado as minhas qualidades e o meu valor mas só ele pode decidir. Apenas há duas vagas para as provas de estrada.
Ainda relativamente ao nosso país, tem a intenção de participar nos campeonatos nacionais?
Sim, também gostava muito mas não há certezas. Só posso participar se o calendário o permitir. Se puder, quero participar na prova de estrada e no contrarrelógio.
Qual é o seu grande objetivo de carreira?
Ganhar e discutir corridas. É óbvio que também gostava de vencer uma grande Volta ou até ser campeão do Mundo, mas nunca se sabe. O ciclismo é uma modalidade muito competitiva com grandes corredores.