O treinador João Henriques recebeu o JN em Tomar, a sua cidade natal, e falou sobre os últimos degraus da carreira, em especial as passagens no V. Guimarães e no Moreirense. Avaliou, também, o momento dos três grandes e da seleção portuguesa.
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Após duas excelentes temporadas no Santa Clara, foi despedido do V. Guimarães e do Moreirense. O que correu mal?
No Santa Clara, os resultados falaram por si. No Vitória, não considero que tenha corrido mal, até porque fizemos uma primeira volta de 32 pontos, quase um recorde no clube. A seguir, houve um conjunto de resultados que não correram tão bem, mas a equipa estava dentro do seu objetivo, que era o de entrar na Liga Conferência. Quando saí, estávamos no sexto lugar, mas não nos deixaram terminar o trabalho. Aconteceu o mesmo no Moreirense. Estava a praticar um futebol de qualidade, mais cedo ou mais tarde os resultados iriam aparecer e a última semana do nosso trabalho coincide com termos eliminado o Vitória na Taça de Portugal.
Teve algum problema com o presidente Vítor Magalhães?
Não tenho razões de queixa. Apenas discordo da forma como fui despedido, até porque teve a persistência de me ligar várias vezes para ir para o Moreirense mas não teve a hombridade de ligar para me despedir.
Essa tarefa coube a quem?
A uma pessoa ligada ao Moreirense. É a única mágoa que tenho relativamente ao clube. E, claro, de não me terem deixado terminar o meu trabalho.
Alguma vez sentiu ingerência diretiva no seu trabalho?
Não, de todo. Ninguém se meteu, simplesmente o presidente achou que a minha equipa técnica não devia dar continuidade ao projeto. Não concordámos, mas respeitamos. Sentimos que a mensagem estava a chegar ao grupo, havia qualidade, merecíamos mais pontos, estávamos a fazer boas exibições apesar dos resultados não serem tão bons. Tivemos cinco derrotas até sairmos mas foram frente a Benfica, Sporting, F. C. Porto, Braga e Vitória.
Portanto, sente que houve precipitação no despedimento...
Não tenho dúvidas de que iríamos fazer um bom campeonato. Até muito pela reação do grupo de trabalho quando soube do despedimento. Fica para nós, foi um momento único, vou recordar para sempre, foi um grupo de trabalho inteiro a discordar da decisão.
Guarda mágoa?
Sim, mágoa por não me deixarem acabar o meu trabalho. No Vitória foi igual e no Moreirense só fizemos 12 jogos, não dá para avaliar. Foi o inverso do que aconteceu no Santa Clara, as pessoas souberam esperar.
Quais são as expectativas de trabalho para o futuro próximo?
Tento fugir um pouco ao estrangeiro, principalmente por motivos familiares. Já estive no Médio Oriente, mas também percebo que há alturas em que temos de olhar para a nossa ambição e não me vejo como um treinador de lutas de permanência. Olho sempre para cima. No Moreirense, por exemplo, o objetivo era melhorar a posição da última época. Quero projetos em que consiga conquistar qualquer coisa além do dinheiro: troféus em outros mercados, principalmente na Europa.
Afirmou um dia que tinha condições para treinar um grande.
Há dois caminhos para chegar a um grande. Ou temos um nome como antigo jogador, que facilita o processo, ou, é o meu caso, é preciso realizar uma ou duas épocas muito fortes em equipas logo a seguir aos grandes. Não tenho dúvidas que estou preparado para treinar um grande, mas, se calhar, ir para fora pode ser o caminho.
Nasceu em Tomar e foi presidente do Sporting de Tomar. Entre treinadores, é raríssimo encontrar um que tenha sido presidente. Ajuda-o como técnico?
Sim. Fui presidente durante dois anos. Ajudei o clube da minha terra, foi um período extraordinário, dei a minha quota parte como tomarense. Mas também foi muito bom perceber que nunca mais quero ser presidente [risos]. É um trabalho tremendo e não tenho tanto jeito. Agora, as funções que exerci ajudam muito a perceber o que é o dirigismo. Quando estou a falar com presidentes, sei hoje o que estão a pensar.
Eusébio jogou em Tomar, no União, num período em que familiares seus estavam no clube.
O meu pai fazia parte do departamento de futebol mas eu não me recordo do Eusébio, tinha apenas dois ou três anos. Foi muito bom para a cidade ele ter estado aqui. Ainda hoje se contam histórias, lembro que antes dos jogos era o último a entrar para ser ovacionado e as pessoas desfrutarem.
Olhando para a atualidade, o que lhe parece o momento de forma dos três grandes?
Na Liga dos Campeões, não foram apurados todos para os oitavos por manifesta infelicidade e contraria o que muitas vezes é dito sobre o futebol português, que a nossa liga é fraca. O F. C. Porto, que não estava num grupo fácil e discutiu o apuramento até à última jornada, merecia ter passado. O Benfica passou, o Sporting passou, se calhar não somos assim tão fracos. Só é fraca quando só se olha para os maus resultados, para o 5-1 do Liverpool e o 5-1 do Ajax.
O F. C. Porto merecia mais.
Fez uma boa campanha, foi superior em Madrid ao Atlético, estamos a falar do campeão espanhol, e foi superior ao Milan em Itália. Tem mostrado todas as suas competências na prova. É uma equipa que está muito bem, é a mais forte em termos de consistência. Sérgio Conceição foi contratado num momento difícil, por estar identificado com o clube e com o projeto, e está a efetuar um trabalho fantástico.
E o Sporting?
Ruben Amorim é mais um exemplo que gosto de dar. Quando chegou, não fez logo milagres. Teve o grande mérito de ir buscar jogadores para a sua ideia de jogo, e em recrutar jovens, implementando um sistema confortável para os jogadores. Tem uma boa comunicação, é assertivo, simples, eficaz, o que ajudou o Sporting a dar um passo muito grande em frente. Em termos de exibição, não é uma equipa que encha o olho mas é eficaz. Como se costuma dizer, é cínica. Defende bem e tem uma transição tremenda com jogadores que decidem na finalização. Pelos pontos que têm e pela forma de jogar, F. C. Porto e Sporting estão na frente da corrida pelo título.
O Benfica está irregular e Jesus está a ser colocado em causa.
É aquela questão: nunca voltes à casa onde foste feliz. Jorge Jesus começou logo mal porque o seu regresso dividiu o clube. Nunca esteve em causa a sua qualidade mas quando as pessoas não se sentem amadas...
O eventual regresso ao Flamengo está muito presente nas conferências de Imprensa de Jesus.
É uma das questões de comunicação. Não querendo ferir suscetibilidades, por vezes magoa certas áreas do clube.
Falta qualidade ao Benfica?
O futebol do Benfica tem estado aquém dos valores individuais. Na época passada, justificou-se com a covid, agora chegaram mais jogadores, o treinador mudou o sistema e mesmo assim apresenta algumas dificuldades. A passagem aos oitavos foi um balão de oxigénio, mas percebeu-se, durante o jogo, que o passado recente não está esquecido.
Por último, a seleção. Desiludiu no apuramento e arrisca falhar Mundial. Portugal é demasiado defensivo?
A ideia que passa para fora é que há jogadores que ficam mais presos nas dinâmicas da seleção do que nas dos clubes. Se olharmos para um Cancelo ou um Bernardo não é bem igual. É um facto que a seleção poucas vezes se exibiu com nota superior, foi ganhando porque tem jogadores fantásticos e um treinador que foi excelente na forma como geriu convocatórias, a comunicação e como agregou o grupo. Não sei se será por ser muito ou pouco defensivo, mas é evidente que nos pusemos a jeito, poderíamos e deveríamos ter feito mais. Depois quando vamos para os sorteios, tudo pode acontecer e aconteceu o pior.
Fernando Santos disse que sai se Portugal for eliminado. Quem pode ser o substituto?
Rui Jorge. Tem feito um trabalho de excelência nos sub-21, é a pessoa certa no lugar certo, está identificado com o trabalho de seleção, sabe escolher os melhores.