Longe da ribalta, mas fortes no pelotão. Trabalham pelos líderes em prol do coletivo
Os holofotes raramente estão apontados a estes corredores, mas bem que podiam estar. Longe da ribalta, assumem a corrida sob o risco, muitas vezes, de ficarem para o fim. Trabalham para os outros porque no ciclismo cada um tem o seu lugar. Em prol do coletivo.
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Diferente missão, a mesma função: proteger o líder e resguardá-lo durante a dura escalada da Volta a Portugal. Apesar da tática definida dia a dia, consoante o decorrer da prova, no ciclismo uma coisa é certa: cada um tem o seu papel.
"O meu papel é seguir na frente, impondo o ritmo no pelotão o máximo de tempo possível, tentando gerir o tempo das fugas. Claro que é um papel que se vai pagando dia após dia. Basta ver o vento que estava no dia da subida à Torre. Eu sou o primeiro homem a meter o peito ao vento", explica Luís Mendonça ao JN.
O corredor da Efapel tem sido um gregário incansável ao longo da prova rainha, assumindo um trabalho rigoroso e desgastante com o único objetivo de ajudar a equipa. O esforço reflete-se no cansaço e o corpo paga a fatura, mas não importa. "Já fizeram esse trabalho para mim este ano, por isso na Volta a Portugal coube-me a mim o papel de entrar a trabalhar e entrar a puxar. Faço-o com gosto, com bastante prazer".
Com a ajuda preciosa de Luís Mendonça, a equipa de Águeda conta já com três etapas conquistadas na Volta. A força indomável é reconhecida por todo o coletivo, mas o corredor admite que, muitas vezes, o público não entende o trabalho de bastidores que é feito durante as corridas.
"Infelizmente sei que ainda existe muita gente que não tem cultura de ciclismo e não percebe muito bem este tipo de trabalho e me perguntam como é que faço uma etapa toda na frente e depois levo 26 minutos na chegada ao alto da Torre".
Trabalhar para os outros pode afastá-lo da exposição mediática à qual os líderes estão habituados, mas o mais importante é mesmo a valorização por parte da equipa. "Ainda na etapa da Torre foi reconhecido com uma ovação de palmas mal entrei no autocarro, algo que me emocionou".
Peças estratégicas com múltiplas tarefas
Ao longo dos últimos anos, Samuel Caldeira tem sido um gregário estratégico e fundamental ao robusto coletivo da W52-F. C. Porto. Dentro da caravana, todos enaltecem a importância do corredor algarvio, que esteve presente em todas as vitórias da estrutura, com a exceção de 2018.
"É um trabalho que não tem os louros que tem o ciclista que acaba por vencer, mas é um trabalho gratificante", aponta Caldeira ao JN. Além de terem que controlar a corrida numa fase inicial da etapa, os ciclistas com esta função podem também saltar para a fuga ou anular outras que não sejam importantes. Se os líderes necessitarem de algum apoio porque ficaram para trás, por exemplo, cabe aos colegas o trabalho de recolocá-los no pelotão ou de lhes levar água ou algum tipo de alimento.
Em prol dos líderes, o amuleto da W52-F. C. Porto não tem dúvidas de que a equipa só poderá ser bem-sucedida se todos cumprirem o seu papel. "Acaba por ser um trabalho que se faz em prol não do benefício pessoal ou de um prémio individual no final. É em benefício da equipa, trabalhamos para a equipa".
O "nós" vem sempre à frente do "eu"
A equipa vem sempre em primeiro. Quem o diz é também Hugo Nunes, da Rádio Popular-Boavista que foi Rei da Montanha da edição especial de 2020 da Volta a Portugal. Este ano, o corredor do coletivo axadrezado já subiu várias vezes ao pódio, mas garante que o objetivo principal é ajudar os líderes.
"Às vezes tenho que abdicar dos meus objetivos pessoais para que os coletivos corram bem. Uma equipa chama-se equipa porque é um coletivo, temos que ser todos por um, que neste caso é o líder", afirma Nunes ao JN.
O jovem ciclista do Boavista explica que tem que estar disponível para fazer "tudo o que os líderes precisam", seja protegê-los do vento ou levar-lhes água. O desgaste físico é bem superior ao de quem vai na roda, mas os gregários já estão preparados para essa função. "Temos que estar bem fisicamente, quase ao nível do líder. Não estar ao nível dele, mas estar ali perto", diz, entre risos, Nunes.
Trabalhar para os outros não é um trabalho menor e nem pode ser encarado dessa forma. Todos são fundamentais. "Não é só o que ganha que é o bom da equipa. Todos têm um papel importante, todos são bons ciclistas, todos estão preparados para a Volta a Portugal. Todos trabalham em função de um objetivo".