Lorena Ramírez venceu o Ultra Trail de Cerro Rojo, em Puebla, no México, em 7.03 horas. De saia e sandálias de borracha. Sem gel, sem mochila, sem marcas. Sem gps. É rarámuri. Ou tarahumara.
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Definitivamente, não foi por acaso que Christopher McDougall imortalizou os tarahumara no seu "Nascidos para correr". Diz o nome dos índios rarámuri, originários da Serra de Tarahumara, no estado mexicano de Chihuahua, que são "os que correm (muri) de pés (rara) ligeiros". Literalmente, rarámuri significa "os corredores a pé". Os melhores dos melhores, porque a vida deles é subir e descer montanhas, com o gado, atrás da vida e do alimento. Mais de 100 km seguidos, em passo lesto e com o que tiveram calçado, não raras vezes nada.
María Lorena Ramírez é rarámuri e dedica a vida ao pastoreio. Tem 22 anos, vacas e tem cabras e caminha com elas 10 a 15 quilómetros por dia. E depois inscreve-se em provas de resistência. E ganha-as. E é a propósito disto que vem toda esta conversa.
O treino é o pastoreio
Lorena venceu o Ultra Trail de Cerro Rojo, em abril, mas só esta semana a sua história correu o mundo e tornou-se viral nas redes sociais.
Por ter vencido, em 7:03 horas, uma prova de montanha de 50 km em que participavam cinco centenas de corredores de uma dúzia de países? Não, Lorena é tarahumara, para ela correr faz parte da história ancestral da sua serra.
Lorena venceu correndo como conduz as suas vacas e cabras, de saia e sandálias de tiras e sola de borracha. Com a t-shirt do evento que raros uso (não é verdade?), o dorsal, uma garrafa de água e é isto. A fotografia que correu mundo mostra Lorena, séria, no topo do pódio, ladeada pelas segunda e terceira classificadas, equipadas a preceito, de roupa e sapatilha cara.
Foi difundida pela página de Facebook que divulga as notícias da belíssima Tlatlauquitepec, em Puebla, região do sudeste do México onde decorreu a prova. "Sem mochila de hidratação, sem sapatilhas, sem licras nem meias de compressão... Sem todos esses gadgets do runner de hoje. Sem publicar os seus quilómetros na nike, sem Facebook, apenas e só por necessidade: ganhou".
A organização, do seu lado, contou ao "El País" que tão pouco levou barras energéticas ou gel ou bastões. Porque aquilo com que os rarámuri se hidratam é "pinole", pó de milho diluído em água.
Lorena foi até Tlatlauquitepec com o irmão até Mário. Correr é assunto familiar. Em 2016, Lorena fora segunda nos 100 km da Ultramaratona "Caballo Blanco", a prova mítica dos Tarahumara em que já participou o ultramaratonista português Carlos Sá. Ali correra ao lado de três irmãos. E do pai, Santiago, que contou a tradição ao jornal "El Universal" - corre desde criança, como fizera o pai dele e o pai deste. Para ganhar e "não ter fome".
A própria viagem foi im desafio, dado que Tlatlauquitepec fica a mais de dois dias de distância de Tarahumara. Sem pestanejar. Já no ano passado o pai dizia ter ido a pé de casa ao início da "Caballo Branco", mais de 30 km, para depois correr 100. Normalidade. O treino dos rarámuri é mesmo isso, a normalidade, o dia-a-dia, a vida.
Lorena ganhou 6000 pesos em Tlatlauquitepec. Trezentos euros. Para viver talvez um pouco melhor. Sem sorrir.