Luís Castro foi o obreiro da conquista da Youth League pelo Benfica. Natural de Moreira de Cónegos, o treinador, de 41 anos, tem subido a pulso na carreira e deu aos encarnados o primeiro título europeu, na área da formação, numa final inesquecível, na Suíça.
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O Benfica venceu a Youth League, após perder três finais. O que houve de diferente neste ano para chegar ao triunfo?
Relativamente às duas primeiras, não posso falar, não estava cá. Sobre a final com o Real Madrid, penso que, nesta edição, a equipa foi mais madura. Beneficiou também do facto de alguns jogadores terem disputado a outra final. Ainda sobre o Real Madrid, se houvesse mais 10 finais, com o mesmo volume ofensivo que apresentámos, tenho a certeza que seríamos os vencedores. No futebol, o que nos apaixona é que nem sempre vence a melhor equipa.
O Benfica ganhou por 6-0, resultado muito incomum numa final. Não era de todo esperado até porque o RB Salzburgo venceu o Atlético Madrid, por 5-0, na meia final.
Parece que foi fácil porque foram seis. Se calhar mais valia ter vencido por 2-0 para as pessoas darem mais valor. O RB tem jogadores caríssimos, fez um investimento enorme, é conhecido o valor da sua formação e as vendas que faz. O Atlético Madrid também não é uma equipa fraca, nem de perto nem de longe. Na final, o Benfica foi muito superior porque tem jogadores com um talento enorme e inteligentíssimos. Nos quartos, vencemos o Sporting por 4-0 e parece que agora é fraco. No entanto, apresentaram quatro jogadores que já estiveram na equipa principal e um (Dario Essugo) que já jogou em todas as competições, até na Champions. A Juventus tem uma equipa que gastou milhões e um dos jogadores já foi à seleção A da Argentina.
Por ser um rival, a goleada sobre o Sporting teve um sabor especial?
Encarámos esse jogo como todos os outros. Para muita gente era um jogo diferente mas foi apenas mais um adversário. Após a derrota em Kiev, selámos um compromisso com os jogadores, a partir daí todos os jogos seriam encarados como finais, assim aconteceu, inclusive com o Sporting.
Em setembro, o Benfica sofreu um resultado muito pesado (4-0) em Kiev, frente ao Dínamo. Sentiu as críticas?
Disseram que éramos a pior equipa do mundo, foi assim que algumas pessoas nos intitularam. De repente, passámos a ser muito fracos e eu disse aos atletas: sabemos que não o somos e vamos mostrá-lo.
Tem alguma história curiosa da final four da Youth legue?
Houve tantas... Antes da final, tivemos gente do RB na bancada para observar o nosso último treino. Treinámos de forma relaxada, houve muita brincadeira, e os austríacos devem ter saído de lá a pensar que ou estava ganho ou que éramos malucos. Hoje ainda devem pensar que o Benfica nem sequer treina (risos).
Como se sente por ter anulado a maldição de Béla Guttmann?
Não acredito em maldições mas é engraçado que Guttmann era húngaro e a minha esposa também é húngara. Não sei se foi uma coincidência mas pode ser que a minha mulher tenha ajudado. Se havia alguma maldição foi morta com seis tiros.
Qual foi o papel de Rui Costa ao vosso lado? Por ser agora presidente está ainda mais próximo?
Há uma maior proximidade. Em alguns momentos, o presidente intervém, sendo que no passado em outros momentos interveio o outro presidente. Quando chegámos da final com o Real Madrid quem falou com o grupo foi o Luís Filipe Vieira. Agora Rui Costa tem um papel diferente. Tem estado presente, o que é importante, tem conhecimento sobre os jogadores, o que acho que é ainda mais importante.
O que disse Rui Costa ao grupo após a final?
Deu os parabéns. Também esteve connosco na meia final, se calhar nesse jogo teve o coração um pouco mais apertadinho, houve momentos mais complicados. Para não matar o homem, tratámos da final com maior facilidade (risos).
Rui Costa ainda não completou um ano na presidência. Tem condições para ser um bom líder no presente e no futuro?
Não sou a pessoa ideal para avaliar. No entanto, é alguém que conhece o futebol, já o conheceu como jogador, esteve em grandes clubes, e como dirigente sabe o que é tomar decisões porque trabalhou de perto com Vieira. Quanto maior a experiência mais apto estará e acredito que cada ano vai ser ainda melhor.
No seu grupo, quais os jogadores que podem saltar diretamente para a equipa principal?
Como é evidente, isso não vai passar por mim mas não sou lírico ao ponto de dizer que todos vão subir. Uma vitória europeia não é sinónimo disso.
Henrique Araújo já se estreou pela equipa principal.
Tem potencial para jogar na primeira equipa e em qualquer equipa sénior. É um avançado muito inteligente e está a ganhar o seu espaço aos poucos, tanto que já se estreou. Vai ter de fazer um percurso igual ao do Gonçalo Ramos. Em termos de inteligência de jogo, Henrique é um avançado de nível mundial.
Recentemente, o futebolista teceu críticas à arbitragem, afirmou que o Benfica não era respeitado.
Tem personalidade, sabe o que quer, mas tem de amadurecer em relação a essas declarações. É um ponta de lança com golo, todas as épocas o demonstra.
Os seus jogadores valorizaram?
O Benfica tem jogadores para a equipa A, vai aproveitá-los mas, infelizmente, para o clube o futebol português não tem capacidade para segurar os melhores. Mas, antes, vamos vê-los a brilhar na Luz. Quer aproveitá-los.
Afirmou, após a final, que o título não vale de nada se os jogadores não singrarem.
O meu trabalho principal não pode ser ganhar títulos. Se algum dia estiver no futebol sénior é evidente que o mais importante será o resultado. Na formação, tenho acima de tudo de trabalhar para o futuro. Se eu ganhar 10 títulos e nenhum jogador chegar lá acima, os títulos valem zero. Mas valem mesmo zero!
Nasceu em Moreira de Cónegos, é um nortenho de gema.
(risos) Sou do Norte, faz parte da minha pessoa, algumas coisas são boas e outras más. Algumas más são as palavras que utilizamos. No norte, as vírgulas e os pontos finais algumas vezes são palavras pouco adequadas..
Quer continuar no Benfica?
Sinto-me bem mas não falo sobre a minha situação contratual. Eu tenho a experiência de ter três anos de contrato e ser despedido; de ter três anos e eu decidir ir embora; e tenho a experiência de assinar um ano e renovar todas as épocas. Os contratos no futebol valem muito pouco.
Mas há interesse do clube?
Sim, já falaram comigo, estou dentro da planificação do Benfica há muitos meses. Se não contasse comigo, há muito que não o fazia. Hoje quero continuar e o Benfica também quer, mas daqui a um mês tudo pode mudar, é o futebol. O que sempre senti é que contam comigo e eu estou feliz porque tenho condições de trabalho e muitos dos melhores jogadores do mundo.
O seu objetivo é passar da formação para o futebol sénior?
Eu quero ser feliz e ter prazer no que faço. Já foi mais um objetivo, depende dos projetos e das condições. Não vou trocar um projeto de formação por outro sénior como já troquei, em que afinal as coisas não eram como tinham sido apresentadas. Sou mais maduro, passei por muitas coisas, a experiência no futebol sénior fez-me ver as coisas de forma diferente. É evidente que quero evoluir na minha profissão e que sou ambicioso mas...
A sua vida mudou nos últimos dias?
Sim... tenho dado muitas entrevistas (risos). Na parte pública, até dizem que tenho de ser mais ativo porque eu escondo-me um bocado. Há pessoas que não fazem um trabalho tão bom como o meu e têm uma visibilidade muito superior. No entanto, é uma área em que não estou muito preocupado.