Com uma história de vida e de carreira digna de um filme, Luís Mendonça, ciclista de 37 anos, da equipa Glassdrive-Q8-Anicolor, está desfrutar a vitória no Grande Prémio Douro Internacional, depois de superar a depressão, anorexia, rejeição e até uma vida como barman de uma discoteca.
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Partiu para esta prova como líder da equipa e como principal opção para a camisola amarela?
Dentro da equipa, definimos sempre dois ou três ciclistas que podem vencer e isso dá bastante conforto, porque sei que se falhar tenho alguém que pode rematar da melhor maneira. Evita uma ansiedade desmedida, que nos vai consumindo dia após dia. Tinha uma intuição que estar nesta prova era melhor para mim e logo na primeira etapa confirmei a boa forma. Foram cinco dias formidáveis, mas muitos duros. Estou felicíssimo por este resultado final.
Várias vezes disse que passou os limites físicos, como aguentou?
Houve momentos em que chorei em cima da bicicleta. Saíram-me lágrimas, pois tinha dúvidas se iria estar bem fisicamente. A terceira etapa foi de uma dureza muito grande. Foi encarar subida a subida e fazer uma contagem decrescente de quilómetros e etapas. Foi um sofrimento absurdo, e lembro-me, também, que no final da primeira etapa atirei-me para o chão, e poucas vezes o faço.
No que pensou quando ia nesses momentos de sofrimento?
Do meu pai que já faleceu, da minha filha que é por ela que faço todo este esforço, e também muitos dos meus colegas que deixam tanto de si na estrada e não os posso deixar ficar mal. É um misto de emoções. Terminamos a etapa e não sabemos como é que vamos alinhar no dia seguinte.
A prestação dos adversários torna a sua vitória mais especial?
Sem dúvida. O Luís Gomes (Kelly-Simoldes-UDO) e o Joaquim Silva (Efapel) são dois importantes nomes do ciclismo nacional. Perdoem-me a imodéstia, mas foi um pódio final de luxo. Em brincadeira disse-lhes que os três juntos fazíamos uma grande equipa. Sabia que iam ser os meus maiores rivais. Tentaram ataques, mas a minha equipa esteve à altura. Também seriam dignos vencedores, foi uma honra esta batalha.
Só entrou no ciclismo profissional aos 27 anos, como surgiu a modalidade na sua vida?
Já passei bastante. Quando era jovem, era muito bom aluno, mas no 11.º ano, decidi que queria ser ciclista profissional. Queria-o tanto que passei por uma anorexia terrível, o que me descontrolou. Tive uma depressão profunda, estava a ser excluído, não rendia na escola, mas consegui entrar na faculdade em fisioterapia, pois falhei a Medicina por décimas. Desliguei-me, depois, da obsessão pelos estudos e entrei num ginásio para ganhar peso, porque com 18 anos pesava 49 quilos, e em três meses recuperei 15. Comecei a fazer desfiles de moda, fui convidado para trabalhar numa discoteca como barman, o que durou dois anos. Vivi intensamente esse mundo da noite, tirou-me dos distúrbios alimentares e encontrei alguma felicidade. Mas houve um momento em que disse que já chegava. Nesse ano, o Rui Costa, que tinha sido meu colega na equipa de juniores ASC, foi campeão do Mundo e senti que também eu tinha uma palavra a dizer no ciclismo. Tentei regressar, mas as portas estavam fechadas, fui para Espanha, com zero salário, aos 27 anos, mas fiz umas boas corridas e tive umas ajudas. Foi o início de uma carreira que muito me orgulho.
É a prova que nunca é tarde para começar no que se acredita?
A melhor resposta é ter esta camisola amarela vestida, após vencer mais uma prova de enorme prestígio. Houve pessoas no ciclismo que já me fizeram chorar, porque no início não me aceitaram. Felizmente, provei que estavam errados. Os meus pais chegaram-me a dizer que era uma loucura apostar no ciclismo aos 27 anos, e de facto foi. Mas nunca é tarde para alcançar os sonhos e saber que a vida dá muitas voltas. Temos de nos amarrar às nossas convicções.
Que opinião tem das provas organizadas pelo JN e O Jogo?
São das melhores feitas em Portugal. A cobertura mediática que dão à modalidade é muito especial para as equipas e para os atletas, além de dar um retorno excelente aos nossos patrocinadores. É uma lufada de ar fresco para a modalidade e só temos que dar o máximo e o maior espetáculo possível, em agradecimento a estas organizações.
Quais são os seus planos para esta época?
Apesar de ter começado mal, já venci duas provas este ano. Agora o meu foco total está na Volta a Portugal. Estarei nos campeonatos nacionais [no fim de semana], sem ambições desmedidas, mas depois é preparar a Volta. É uma prova que não estive presente no ano passado, mas quero, desta vez, desfrutar. Estas vitórias tiram pressão e deixam-me mais leve e motivado para uma boa prestação.