A surfista brasileira Maya Gabeira não tem dúvidas: valeu a pena e voltaria a apanhar a onda gigante que na segunda-feira quase a atirava para a morte. O treino e a preparação física foram essenciais para conseguir sobreviver aos longos minutos em que esteve inconsciente, sujeita à força brutal do mar. Robert McNamara criticou, no entanto, a operação de segurança montada pela equipa da brasileira.
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A surfista, de 26 anos, teve alta esta terça-feira de manhã, e compareceu esta tarde, num hotel da Nazaré, bem disposta, mas de pé engessado. Depois de apanhar aquela que foi a maior onda da sua vida, caiu da prancha e partiu o tornozelo.
Maya confessou que encontrou nas ondas da Praia do Norte as "condições mais difíceis do mundo" para surfar. "Aqui o perigo nunca acaba, mesmo no final da onda. E até se agrava, por causa das rochas e da areia", explicou.
Ainda assim, depois de duas semanas a preparar-se na Nazaré com a sua equipa, liderada pelo brasileiro Carlos Burle, o mar estava demasiado apetecível para surfar. "É para isto que treinamos, é para isto que vivemos", diz Burle. "Não havia como não tentar surfar aquelas ondas".
Maya tentou então a sua sorte. A meio da descida acabou por se desequilibrar e cair. Sentiu logo o tornozelo partido. "Na primeira onda correu bem. Apliquei a técnica de respiração e consegui ir para a segunda onda. Fiquei muito tempo debaixo de água e, quando veio a terceira, não sabia onde estava exactamente. Só senti a água cair sobre o meu peito".
Foi nessa altura que fez disparar o sistema para insuflar o seu colete salva-vidas, que, inesperadamente, se desprendeu.
Só as imagens dramáticas do salvamento, que a surfista já viu "umas dez vezes", ajudaram Maya a perceber o que aconteceu depois. Conseguiu dar mais umas braçadas, subiu e respirou conscientemente pela última vez. "Segui o meu instinto. Pus sempre a o braço no ar".
As imagens mostram que quando Carlos Burle se aproximou com a mota de água, há um movimento do braço de Maya para tentar apanhar a corda de reboque. Maya não se lembra de o ter feito. "Foi um instinto mais auditivo do que visual. Quando larguei a corda já estava totalmente inconsciente".
"Só depois, a falar com ela, é que percebi que ela não estava a ver nada", explicou o Burle. "Essa reação, que ela teve de apanhar a corda, foi a última força. Percebi que ela estava em desespero, a tentar manter-se viva", recorda.
Depois de a ter perdido na espuma de um mar muito revolto e com a maré a puxá-los perigosamente para a zona das rochas, Burle acabou por avistar o corpo da sua colega, já inanimado. "Se eu tivesse perdido naquele momento não estávamos aqui juntos", explicou emocionado.
Foi o intenso treino físico e preparação de apneia que salvou a vida da surfista. "Já estou preparada para estar quatro minutos sem respirar", disse.
A equipa brasileira regressa esta quarta-feira ao seu país, depois de uma jornada em que a Nazaré voltou a não desiludir estes atletas. Os quatro surfistas saem de Portugal com a memória de terem, cada um, apanhado a maior onda das suas vidas.
McNamara critica falta de segurança
Gareth McNamara criticou esta terça-feira noite a falta de planeamento e segurança da operação que os brasileiros montaram para surfar as ondas da Praia do Norte. "Eu sou um livro aberto e não me vieram pedir ajuda. Não existem ondas no mundo como estas da Nazaré e é precisa muita preparação. O que aconteceu não devia ter acontecido", alertou o sufista norte-americano, à margem de uma conferência em que foi o principal convidado.
McNamara falou esta terça-feira aos alunos da Escola Superior de Desporto de Rio Maior, numa palestra em que enfatizou várias vezes a necessidade de "pensar como se vai regressar a terra". "Há surfistas que não se importariam de morrer a surfar, mas eu faço surf sempre a pensar em como vou voltar para casa", declarou o norte-americano.
O surfista elogiou, todavia, a preparação física e técnica de Maya. "É uma atleta fabulosa", comentou McNamara, acrescentando que foi esse treino que acabou por ser fundamental para sobreviver ao acidente.