Todos já ouvimos que, para uma articulação inchada ou um músculo inflamado, gelo e repouso são o melhor remédio. Jamais! Vejamos então.
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Esses têm sido, durante décadas, os conselhos médicos por defeito na presença de condições inflamatórias.
Mas o próprio criador do método RICE (rest, ice, compression and elevation - repouso, gelo, compressão e elevação), Gabe Mirkin, reconhece que o único benefício prático da aplicação de gelo é o bloqueio da dor, não acreditando já naquilo que considerou inicialmente uma mais-valia.
Mais do que isso, a velha máxima "se dói, não mexe" não está totalmente correta. Claro que tudo depende da gravidade da situação, mas são muitos os estudos que evidenciam o repouso como contraproducente em fase de recuperação.
Importa, antes de mais, entender como é que, ao longo de milhões de anos, o nosso sistema se aperfeiçoou para restabelecer o equilíbrio - a homeostasia.
Começou precisamente pela inflamação. É a primeira resposta a desequilíbrios como um trauma ou o sobreuso e pretende fazer chegar a "maquinaria" necessária (nutrientes, fatores de crescimento, glóbulos brancos e enzimas) ao local afetado.
Segue-se a proliferação que, grosso modo, é a fase a partir da qual há formação de micro-estruturas essenciais (por exemplo, mioblastos e fibroblastos) para a produção de novo tecido.
Finalizámos com a remodelação, que é o aperfeiçoamento do novo tecido nos aspetos morfológicos e funcionais. São três fases dependentes entre si e a falha de uma delas influenciará necessariamente a seguinte.
Então se a inflamação é o fenómeno pioneiro, preditor do início de um processo de recuperação tecidual, há razão para que se olhe sistematicamente para ela como um perigo a limitar rapidamente?
Os estudos evidenciam que a interferência sobre o decorrer natural da fase inflamatória afeta negativamente o sucesso das fases de proliferação e remodelação, atrasando-as e tirando-lhes eficácia. É como querer construir um carro sem chassi ou uma casa pelo telhado.
Como resultado, observa-se, ao microscópio, uma anarquia e desorganização na formação do novo tecido de colagénio que, por conseguinte, resulta numa estrutura mais vulnerável, menos responsiva e menos capaz de absorver carga.
E o repouso? Em dose aceitável pode e deve abusar-se do movimento. Repousar, a par do gelo e dos anti-inflamatórios, é um fator para altas taxas de recidiva após período de recuperação.
Porquê? Atrasa a regeneração da cartilagem, que recebe os nutrientes para se manter saudável através do líquido sinovial, cuja produção depende do movimento.
Além disso, o repouso enfraquece a relação entre o músculo e o sistema nervoso central que o comanda, levando a um estado de inibição e consequente disfunção muscular. Se o repouso for prolongado, há proliferação de tecido gordo no músculo (após três dias) e atrofia muscular (15% a cada duas semanas).
Por fim, repousar diminui a eficiência do sistema linfático - que é um saneamento natural, eliminando várias substâncias sem utilidade e em excesso, e que depende da ação muscular para funcionar.
Em resumo, não negamos os benefícios do gelo no bloqueio da dor, mas utilizá-lo para influenciar processos primitivos de recuperação não é de todo adequado. Quanto ao repouso, não é a opção mais segura. Devemos movimentar-nos, respeitando sempre o limiar tolerado por cada condição. E nunca pensando num regresso precoce à função.
Atenção! Este artigo não pretende ser um incentivo ao auto-tratamento. A lesão, dependendo da estrutura lesionada e da dimensão do dano, necessita de cuidados específicos e abordagens particulares. Receitas, só na farmácia...
Artigo elaborado por Nuno Silva, Fisioterapeuta, Clínicas Nuno Mendes