António Salvador, presidente do Braga, critica falta de apoio do Governo aos clubes durante a pandemia.
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A poucos dias de o Sporting de Braga completar o primeiro centenário, António Salvador, que preside ao clube minhoto há 18 anos, mostra, em entrevista ao JN, regozijo pelo trabalho realizado e confiança no futuro, mas não deixa de ser crítico com a forma como o Governo tem lidado com a pandemia em relação ao futebol.
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O Braga faz 100 anos na terça-feira. Qual seria a melhor prenda?
É uma história rica, com incidência na última década, onde tem ganhado alguns títulos. Estamos orgulhosos. Foram precisos todos estes anos para alcançar o que conseguimos, mas acredito que ainda temos muito a ganhar. Há esperança que a próxima década seja também de grandes conquistas.
Quem é a principal figura do clube nestes 100 anos?
Obviamente são os nossos associados, são a alma do clube, que nos motivam diariamente, para fazermos mais e melhor.
A diferença para os três grandes tem diminuído?
Não. Com a questão dos direitos televisivos, as diferenças são cada vez maiores. A política de repartição de verbas teria de mudar para que fosse possível ter um futebol mais equilibrado e competitivo, também na própria Europa. Estamos cada vez mais longe dos principais campeonatos europeus, embora no ranking até tenha havido uma recuperação para o sexto lugar. É complicado ir buscar jogadores desses campeonatos. Não podemos investir milhões.
O futebol português tem estado unido nesta fase de pandemia?
Não, é tudo uma farsa. Fazem reuniões para as fotografias, mas depois nada produzem. Cada um olha para o próprio umbigo. Ao fim de um ano de pandemia é preciso fazer uma reflexão grande. Nem sabemos quanto tempo vai tudo isto durar. Temo que venham aí problemas muito graves. As pessoas que gerem as instituições, juntamente com o Governo, têm de atalhar caminho. Pelo menos uma fatia pequena da "bazuca" que o primeiro-ministro diz que vem para Portugal devia ser dada aos clubes. Cumprimos com as obrigações, pagamos impostos, empregamos dezenas e dezenas de pessoas, são empresas elegíveis como outras quaisquer. Se não for através de dinheiro, que seja por reajustes de IRC. Os próprios seguros, é incompreensível que os clubes pagem 15 a 20% de taxa sobre o ordenado. Não há outro país em que isto aconteça. Assim é impossível competir com outros países, em termos salariais.
Qual é o prejuízo do Braga com a pandemia?
Com uma época fechada ronda os quatro milhões de euros, entre bilhética, corporate, camarotes e merchandising.
Como é que vai recuperar esse valor, será a vender jogadores?
Todos os anos temos de vender. Já se tinha de fazer 12 a 15 milhões/ano para ter o orçamento equilibrado e com o prejuízo ainda temos de fazer mais, salvaguardando perdas nas futuras vendas.
Dava jeito aparecer uma venda igual à do Trincão?
Pela primeira vez, no último verão, não fizemos nenhuma venda. Defendemos o objetivo desportivo, mantendo um núcleo de jogadores. Tínhamos uma boa almofada que vinha de trás. Mas, do ponto de vista contabilístico, temos de vender até ao final da época, caso contrário iremos ter prejuízo. Nós e todos os clubes em Portugal.
E vender já este mês, não?
Nunca sabemos, mas o objetivo é só no fim da época. Com esta crise, não estou a ver que seja possível fazer agora uma venda.
Mas há jogadores como Paulinho que será difícil segurar...
Não o vou esconder, há jogadores que acabam o ciclo no fim desta época. Temos de vender para equilibrar as contas. Se não o fizermos, temos de renovar contratos e chegar a determinado tipo de salários, que o Braga não poderá pagar.
O Sporting desistiu de Paulinho?
Nem sei se alguma vez esteve interessado. Nunca me chegou nada, o que sei é só pela Comunicação Social. Não posso responder.
Depois do que se passou no processo Ruben Amorim voltaria a negociar com o Sporting?
O Braga está sempre disponível para negociar com todos os clubes. Esse processo teve momentos mais delicados e de distanciamento das direções depois do incumprimento do Sporting. Mas em setembro, depois do último acordo, as coisas ficaram bem esclarecidas e o Sporting está a cumprir religiosamente o compromisso assumido e acredito que o vai fazer até final, em maio deste ano.
O Sporting fez agora um despedimento coletivo... Não teme novo falhanço no acordo?
Não. Sei bem o acordo que foi feito e sei que o Sporting vai cumprir. É uma instituição de bem e não vai cair na asneira de voltar a falhar. Quem lá está são pessoas de bem e vão honrar o compromisso.
Acredita que o público vai voltar aos estádios ainda este ano?
O futebol tem dado o exemplo, em termos do que é a exigência da pandemia. São os profissionais e a atividade mais testada neste país. Eu próprio sou testado duas vezes por semana. Tivemos um jogo em casa para a Liga Europa, com o AEK, que foi exemplo em termos de segurança. Não se percebe porque é que não se pode ter adeptos, face ao modelo que organizamos nesse jogo. Vemos pessoas aglomeradas em centros comerciais e noutros espetáculos.
Não há competição jovem em Portugal e o Braga é um clube formador. É mais um problema?
É um problema grande. Estamos a competir com a equipas B e de sub-23, mas claro que é um entrave ao crescimento da formação e que se vai refletir não agora, mas daqui a três ou quatro anos. Se as escolas não têm problemas e continua a haver aulas, pergunto como é que os jovens que querem jogar e são os mesmos , não conseguem fazê-lo, numa atividade ao ar livre?
A culpa é só do Governo ou da DGS? Ou a Liga e a Federação podiam ter outro papel?
A Federação e a Liga têm feito tudo para tentar resolver estes problemas. Percebo que vivemos um momento de insegurança e que até o Governo esteja baralhado. Hoje toma uma decisão, daqui a 15 dias toma outra... É complicado, tem havido decisões certas, outras erradas, mas algo vai ter de ser feito, sob pena de termos graves problemas nos próximos anos.
Antes do fim da época passada houve uma reunião dos três grandes com o Governo. O Braga também devia ter ido?
Não vou por aí. O Braga não se sente inferiorizado com isso. Acho é que aquilo não serviu para nada. Serviu só para uma fotografia e para o interesse de alguns, o resto ficou tudo igual. Acabou a reunião e nada mais se fez. Nada mais foi tratado em conjunto. Depois sobrevive quem puder.
Os clubes deviam reunir para traçar uma estratégia comum?
Acho que a Federação e a Liga deviam estar a trabalhar mais com os clubes, para depois, em conjunto, abordar o Governo, tentando criar condições para que se possa ultrapassar este problema. Estão a apoiar e bem a atividade económica, mas a única coisa que nunca se fala é no futebol. O Braga paga por ano mais de dez milhões de euros de impostos, pelo menos desde há 18 anos isso é feito religiosamente. Temos uma atividade que tem o direito de ter apoios que outros têm. Temos cerca de 3000 atletas, muitos deles na formação, substituindo muitas vezes o papel do Estado e temos o direito de reclamar o que as outras atividades também reclamam. Os nossos governantes não querem saber do futebol, dos clubes e das modalidades.
Já chegou um jogador, Lucas Piazon. Vão chegar mais?
Temos o plantel definido desde o início da época. Estamos satisfeitos, mas houve uma oportunidade e aproveitámos.
Está também satisfeito com o trabalho do Carlos Carvalhal?
Sim. É um treinador da casa e um bracarense nato, um homem que ama este clube. Está a fazer um excelente trabalho e esperemos que continue a fazer por muitos anos.
Tem contrato até 2021. Espera que seja possível a renovação?
Sim e que ele possa cá ficar por muitos anos.
Espera voltar a ganhar a Taça da Liga?
Ganhar queremos todos. O nosso foco é ganhar o próximo jogo. Agora queremos vencer hoje o Paços de Ferreira, para a Liga.