A notícia não é inédita: algumas mãos cheias de corredores fizeram batota na maior maratona da China, que decorreu em Pequim no passado dia 17.
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Acontece em todas as grandes corridas por todo o mundo, com mais ou menos perícia, mais ou menos intenção e mais ou menos consequências nefastas para todos os outros. Mas a prática é tão corrente que, em março, a associação de atletismo chinesa impôs aos batoteiros a proibição de voltar a inscrever-se em provas de atletismo. Antes, na Maratona de Pequim de 2016, três dezenas de corredores tinham sido desqualificados, uma ninharia num universo de cerca de 18 mil inscritos, mas ainda assim um número representativo.
Em causa está, por exemplo, atalhar o percurso para fazer baixar o tempo e chegar aos lugares financeiramente premiados ou garantir qualificação para as mais famosas corridas mundiais (como Boston, por exemplo), usar um dorsal/chip alheio (para conseguir, por exemplo, marcas em escalões etários), ou repartir a distância por vários corredores. Foi o caso que espoletou uma investigação oficial em Pequim, perante a publicação em redes sociais de fotografias mostrando pelo menos cinco pessoas diferentes com o mesmo dorsal D0198.
E depois há as batotas não intencionais, como passar suficientemente perto da meta para registar um tempo depois de se ter desistido, ou correr com o nome de outra pessoa que não quis ou não pôde participar e cedeu o dorsal (prática muitíssimo comum, mormente dada a popularidade crescente da corrida que esgota provas e as restrições das organizações quanto à hipótese de alterar o nome de uma inscrição por motivos de lesão, por exemplo).
Mas o que levará, afinal, corredores amadores a fazer batota? Porque os há, mesmo no último terço do pelotão, a cortar caminho para ganhar uns vergonhosos segundos.
Jack J. Lesyk, diretor do Centro de Psicologia Desportiva do Ohio, nos Estados Unidos, citado na revista norte-americana "Runner"s World", só encontra uma justificação. Há dois tipos de corredores: aqueles cuja motivação é "intrínseca" (ganhar a si próprio é mais importante do que ganhar aos outros) e aqueles que são alimentados por uma motivação "extrínseca". "Estão mais preocupados com o impacto dos seus resultados nos outros e com o que os outros pensam deles", diz o especialista, que encaixa parte dos batoteiros neste lote, mormente nesta nova era das redes sociais, da procura de aprovação (leia-se "gostos") e da gabarolice. Porque as redes permitem multiplicar a audiência por cem. Depois, haverá os batoteiros ocasionais, cuja motivação é mesmo conseguir correr naquela grande prova tão restrita e, para isso, tem que ter tempos noutras provas para garantir vaga.
A verdade é que os casos são muitos e que muitos poucos são detetados. Na maior maratona do mundo, Nova Iorque, apenas uns 50 corredores são desclassificados anualmente - em mais de 50 mil participantes - e a maioria por batota não intencional. E a verdade, também, é que há organizações que levam a coisa a peito e outras que assobiam para o lado.
Mas, depois, há os casos, digamos, de batota obrigatória. Se Kathrine Switzer não tivesse mandado às urtigas os preconceitos vigentes (uma mulher é demasiado frágil para aguentar uma maratona) e não tivesse ludibriado os registos inscrevendo-se como K. V. Switzer numa competição aberta só a homens, não teria sido a primeira mulher a terminar uma maratona com registo - Boston, em 1967. E a levar a organização a abrir, quatro anos depois, a corrida ao pelotão feminino. Antes de Switzer, Bobbi Gibb completou a mesma maratona em 1966, mas sem inscrição. Batota a sério. E em 1967 repetiu o feito, terminando uma hora à frente de Switzer. Os seus feitos só foram reconhecidos retroativamente em 1996.