"O treinador abusou de nós". Atletas de futsal denunciam lado negro do desporto
Foi há mais de uma década mas um trauma assim nunca se esquece. Nelia del Campo Díaz e Sofía Giménez Herrera foram duas das sete atletas que fizeram queixa do treinador do Grucer, de Madrid, que acabou por ser preso por abusos sexuais.
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Nelia del Campo Díaz e Sofía Giménez Herrera são jogadoras de futsal e foram capa do jornal "Marca". Não pelas jogadas, recordes ou exibições, mas sim para mostrar um lado negro do desporto e um trauma pelo qual passaram e que jamais vão esquecer. Há mais de dez anos, as duas atletas jogavam no Grucer, de Madrid. Nelia tinha cerca de 14 anos, Sofía entre os 11 e os 12, quando começaram a sofrer abusos por parte do treinador.
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"Para ser honesta, não estava ciente do que se estava a passar. Tomei consciência disso anos mais tarde. Se estava com 15 anos na altura, talvez me tenha apercebido quando tinha 18. Na verdade, acho que nem hoje tenho consciência de metade das coisas", contou Nelia à publicação. O técnico, cujo nome não é referido na peça, tinha uma personalidade que toda a gente gostava. E, depois de uma sessão de fisioterapia, em que Nelia percebeu que o fisioterapeuta não lhe tocava da mesma forma que o treinador quando a ajudava com problemas físicos, veio o medo de ninguém acreditar nela.
"No meu caso, reconheci os abusos quando tocou nas minhas partes íntimas. É um lugar que só queres que toque quem tu queiras. Foi o fim: eu disse 'tenho de fazer alguma coisa'. O silêncio magoou-me muito. Isso come-te, foi um veneno. Estás constantemente a boicotar-te e a tua mente faz um trabalho de dar a volta à situação. A determinada altura, cheguei a pensar que talvez lhe tivesse dado demasiada confiança", contou Sofía.
Com o tempo, a situação só piorou. O treinador chegou a ficar com uma cópia das chaves dos alojamentos em que as jogadoras ficavam durante as viagens. " À noite, ele entrava sorrateiramente. Chamavam-lhe o homem do pijama às riscas porque era visto de quarto em quarto", disse Sofía. E foi mesmo Sofía que decidiu quebrar o silêncio. Falou primeiro com a família e avançou com a denúncia. Uma vez na polícia, as autoridades pediram para se investigar se havia mais casos. E havia. Pelo menos sete. Sete atletas que também ficaram em silêncio.
"Quando lhes contei o que me tinha acontecido, elas disseram "eu também", "eu também", "eu também". Foi chocante. Ficas com o triste consolo de que não estás sozinha, mas a realidade é que a maioria das mulheres sofreram de algum abuso", contou. "Sentes-te muito sozinha e até que tudo isto se soube eu não disse nada. Depois senti-me culpada, devia ter dito algo mais cedo, mas não sabia a quem recorrer. Não senti que tivesse esses apoios próximos", admitiu Nelia.
O treinador acabou por ser preso mas saiu, entretanto, em liberdade. E Nelia foi abordada pelo treinador. "Penso que acabámos sete por fazer a denúncia, mas houve mais casos. Fui viver para Granada porque não queria saber de nada. O meu subconsciente fez-me esquecer muitas coisas que tive de reviver em tribunal. Mas há alguns meses ele saiu da prisão e eu recebi uma mensagem dele no Instagram, uma espécie de aviso: "Olá, estou de novo cá fora". A ordem de restrição tinha acabado e ele sabia-o".
Hoje, Sofia continua a jogar a modalidade que mais gosta, pelo Teldeportivo, mas Nelia abandonou o futsal e nem partilha nada que dê a entender a sua atual localização. E a atleta mais nova deixou uma garantia: "Se o mesmo tivesse acontecido agora, eu teria feito a mesma coisa. Salvei-me ao denunciá-lo. Ele estragou a minha vida e eu tive de fazer algo. Se eu não o fizesse, afundava-me", concluiu.