Filhos de ex-jogadores são obrigados a dar mais em campo. Há na Liga 20 casos de atletas cujos pais tiveram carreira futebolística
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Estádio do Dragão, 13 de fevereiro de 2021. Francisco Conceição, de 18 anos, estreia-se pela equipa principal do F. C. Porto. Com ele, vão o nervosismo, talento e, claro, o fardo de carregar um apelido de peso. O gosto pelo futebol e o jeito para o praticar até podem não ser hereditariamente transmissíveis - Heloísa Gonçalves dos Santos, especialista em genética, explica ao JN que, apesar de "algumas características físicas" que se herdam e facilitam a prática de uma atividade, o "ambiente" em que se cresce "é muitíssimo importante". Mas o apelido, esse sim, é transmissível. O avançado não é o primeiro a seguir as pisadas do progenitor, já que, além dele, há atualmente 19 casos na Liga, e também não será o último. Além disso, Francisco Conceição faz parte de um lote bem restrito de jogadores que são treinados pelo pai.
Os primeiros minutos com a camisola azul e branca foram bem promissores e, quando Evanilson marcou o que se pensava ser o terceiro golo dos dragões, Francisco, que participou no lance, correu em direção ao banco para abraçar, em lágrimas, o pai, Sérgio Conceição. Um momento marcante mas que remete para uma certa complexidade quando o assunto é a relação profissional entre pai e filho.
Do lado do jogador há, inevitavelmente, a comparação, uma maior pressão e uma grande luta para deixar de ser "o filho de" para passar a ser "o". "Qualquer um de nós não quer deixar os pais ficarem mal. Quando se movem na mesma área profissional, a comparação ainda é mais fácil, a pressão aumenta. Não é fácil aguentarmos este fardo", explica psiquiatra Júlio Machado Vaz. E, da parte do pai, pode estar em jogo o profissionalismo: "É difícil separar o afeto de uma observação objetiva. Da parte do pai, há o desejo de que não seja posta em causa a honestidade profissional. Acho muito difícil que, em casos destes, o atleta não tenha medo que pensem que só está a jogar por ser filho do treinador. Mas no caso do Sérgio e do Francisco, penso que podem estar tranquilos. Ele parece ser muito bom jogador e creio que o Sérgio é uma pessoa com uma personalidade muito virada para não ser influenciada pela opinião dos outros".
"Vê, ouve e não fales"
É pouco frequente, mas há pais e jogadores que partilharam o balneário e há, inclusive, quem se recuse a fazê-lo. O técnico do Atlético de Madrid Diego Simeone, por exemplo, negou sempre treinar o filho Giovanni (Cagliari), para evitar polémicas. Já Johan Cruyff orientou o filho Jordi no Barcelona durante duas épocas. "Só me deu um conselho, "vê, ouve e não fales". Não queria que lhe dissesse o que ouvia no balneário e eu nunca lhe disse", contou. Mas por muito bom que seja o filho, há um aspeto fundamental: tem de saber lidar com o apelido do pai.
"Sentia que tinha de trabalhar o dobro"
O futebol corre nas veias da família Sousa. António Sousa, campeão europeu pelo F. C. Porto em 1987, deu origem ao clã que continuou em Ricardo, também jogador e agora técnico do Beira-Mar, e prossegue em Afonso, que esta época se estreou na Liga pelo Belenenses SAD.
António treinou o filho durante três temporadas no Beira-Mar - de 1998/99 a 2001/02 - e o ex-médio foi, inclusive, o herói na final da Taça de Portugal de 1998/99, ao marcar o golo que daria o troféu à equipa de Aveiro, diante do Campomaiorense. "Conquistar algo na carreira já é bom, mas ganhar com o nosso pai... significa muito mais", conta ao JN Ricardo Sousa.
Só que, apesar do bonito capítulo, nem tudo foi um mar de rosas. Ricardo Sousa contou que ser treinado pelo progenitor obrigou-o a uma responsabilidade acrescida: "Sentia que, independentemente da minha qualidade, tinha de trabalhar o dobro para não apontarem nada a mim nem ao meu pai". No F. C. Porto, quando se estreou pela equipa principal, as comparações com o pai também foram muitas. "Aumentam a pressão, mas são fáceis de lidar, porque temos orgulho nos nossos pais", sublinha.
Toni, ex-treinador do Benfica, chegou a orientar o filho António Oliveira na Luz e chamou-o à equipa principal para disputar um jogo particular. Quando um atleta é filho do técnico "pode haver julgamentos", mas garante que não existe tratamento diferenciado. "Eu vi-o como jogador. No dia em que ele jogou, entrou por eu achar que devia jogar, não por ser meu filho. Os treinadores partem do princípio que têm ali um jogador e não o filho", disse ao JN.