O "Abrantes 100" revelou-se uma prova de 100 km que não procura ser a mais dura, ou a mais difícil de terminar.
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Em 2016, integrada nas comemorações do centenário do Concelho, decorreu a primeira edição do "Abrantes 100". Com as boas novas que então se ouviram, que a prova era um doce, fomos ver se era mesmo.
Nas que conhecíamos de 100 km em trilhos nacionais, acessível é adjetivo pouco usado, já que a tendência geral é de dificultar a progressão dos atletas, fazendo-se muitas vezes marca indelével da qualidade de uma corrida a dificuldade em terminá-la.
Ora, em Abrantes prometia-se trail por que muitos dos atletas suspiram: correr sem fazer caminhos de fé a todos os corta-fogos e sem ir aos "buracos" serranos para sair deles pela vertente mais inclinada e poder desfrutar da corrida em trilhos sem exagerado e desnecessário sofrimento.
A prova tem base na Cidade Desportiva, com um secretariado eficaz e dotada de todos os equipamentos de apoio - desde estacionamento a banhos e solo duro. Com partida na rua principal do Estádio e chegada com a volta de consagração na pista de tartan, só faltou mais envolvimento da população, já que, no mais, toda a base logística foi a cereja no topo do bolo.
Quando, nos quilómetros finais, olhávamos desde as margens do Tejo a urbe elevada com o castelo em fundo, veio-nos à memória a célebre frase "tudo como dantes, quartel-general em Abrantes".
A prova faz justiça à origem do dito popular, percorre trilhos a norte e a sul do concelho, outrora vias de acesso dos soldados enviados por Napoleão em 1807, que ali chegados montaram quartel-general.
Também então era outono quase Inverno. O Príncipe Regente D. João ordenara que fossem tratados como tropas amigas enquanto tratava ele próprio de embarcar toda a Corte para zarpar para longe, deixando-nos todos, povo lusitano e invasores, plantados "a ver navios".
Dali em diante, enquanto o povo, clero e o que restava de militares inconformados delineavam estratégias para correr com os franceses, e olhando para a cúpula do Estado refugiada no Brasil, dizia-se aquela frase para marcar o imobilismo de quem devia, em primeiro lugar, defender a integridade nacional.
Valeram-nos os ingleses e mais tarde D. Pedro para nos livrarmos de vez do jugo da aliança hispano-francesa. Pelo meio, voltámos a ser pioneiros, conseguindo pôr a Capital de um Reino Europeu no hemisfério sul.
Num bem desenhado, superiormente marcado e muito bem assessorado percurso, o Clube de Orientação e Aventura apresentou-nos 100 km divertidos, com altimetria razoável e muito bem distribuída.
Fartos abastecimentos coordenados por simpáticas e prestáveis legiões de voluntários bem articulados com as populações locais, fez-nos sentir mais bem tratados e desejados que os soldados invasores. Apesar da imensa chuva e do denso nevoeiro, as excelentes marcações não deixavam que mesmo os mais distraídos se perdessem.
Por entre montado e lezíria, serpenteando sobreiros, pinheiros e vasto eucaliptal, ladeando campos finalmente verdejantes e fitando de vez em quando ao longe a sede de Concelho, este Trail Abrantes 100 será seguramente destino de muitos que queiram desafiar quilómetros e consagrar-se "centenários". Assim mantenham tudo como até aqui, guardando o galhardete nada desprezível de prova fácil quando se tem de encarar uma distância difícil de redondos 3 dígitos.
O nosso GPS marcava 103.9 km, com um desnível positivo de 2400 metros em pouco mais de 16h10, quase mais sete do que o vencedor, mas a quase oito horas do mais do que suficiente tempo limite. Ponha na sua agenda para 2018 e vá ver pelos seus olhos.