Com 400 jogos disputados pelo Rio Ave, onde passou os últimos 12 anos da carreira, Tarantini (Ricardo José Vaz Alves Monteiro) é um dos símbolos do clube e um dos mais emblemáticos jogadores da Liga, o que lhe confere propriedade para, aos 36 anos, fazer uma reflexão sobre a evolução do futebol português nesta recente década e perspetivar o futuro, até porque já tem assegurada a renovação por mais uma temporada.
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Que imagem acha que o futebol português tem de si?
Acho que criei uma boa imagem, por aquilo que sou e pelo percurso que fiz, com seriedade, competência, trabalho e dedicação, e vindo de baixo. Mostrei que era possível deixar uma marca num clube com a dimensão do Rio Ave, que é bem mais difícil do que ganhar títulos por clubes como o Benfica, F. C. Porto ou Sporting.
A falta de um título é o que o aborrece mais quando olha para sua carreira?
Chateia-me bastante. Foi muito importante estarmos nas finais, e provavelmente um dos erros que cometemos foi não acreditar suficientemente que podíamos ganhar. Mas a chapada maior que senti no Rio Ave foi quando perdemos nos quartos de final para o Aves, no ano em que ganharam a Taça de Portugal, encontrando o Sporting naquela fase complicada.
Tendo o terceiro nível de treinador, vê-se mais ligado a essa atividade ou num cargo de dirigismo, no clube ou em organismos como a Federação ou a Liga de Clubes?
Muita gente me faz essa pergunta, e dizem que veem em mim características para trabalhar mais longe do relvado. Admito que penso nisso. Mas quero ganhar um título, e se não conseguir como jogador quero que seja num cargo com mais interferência. Os dirigentes ganham títulos, mas não é mesma coisa. Associo mais o meu futuro ao treino de que ao dirigismo.
O Casillas anunciou a candidatura à presidência da Federação Espanhola. Fazem falta ex-jogadores nas cúpulas de decisão do futebol?
Sem dúvida, nesses cargos e não só. O Casillas quer dar um salto incrível, e acredito que se irá rodear de pessoas competentes, porque isso é fundamental. Na estrutura da Federação Portuguesa de Futebol há muitos ex-jogadores, mas também há gestores de topo. Essa complementaridade é sempre necessária.
Havendo mais ex-jogadores a dirigir clubes, ou nos organismos de decisão, tal podia apaziguar o clima de crispação no futebol português?
Não tenho dúvidas que isso iria ajudar a acalmar a situação e alimentar o fair play. O futebol português vive na obrigação de ganhar, em prol do negócio, e isso ajuda a fazer crescer a crispação.
Nestes 12 anos que tem na Liga sente que esse clima de crispação, e até de ódio, tem aumentando?
Acho que sim, mas também relacionado com o maior mediatismo, com mais acesso à informação, as redes sociais, e a maior atenção dedicada pelos média. E tudo isso tem, depois, influência dentro de campo, na forma com se comporta o público, na relação com os árbitros e até entre colegas de profissão.
E também se manifesta no racismo, como no recente caso com o Marega, em Guimarães?
Acho que o caso do racismo é mais profundo do que querem fazer passar através do futebol. A situação do Marega foi mediática pois foi a primeira vez que um jogador saiu de campo, mas acredito, até por experiência própria nos balneários do Rio Ave com várias nacionalidades, que dentro do futebol não há racismo. O que se passou em Guimarães, que é completamente condenável, estará relacionado com o facto do jogador já ter passado pelo clube. As pessoas vêm para o futebol para extravasar muitas vezes o que de mau lhes passa na vida. Não é uma novidade, mas é preciso erradicar.
Recentemente o jogador do Famalicão, Fábio Martins, denunciou mensagens de ódio recebidas nas redes sociais. Já aconteceu consigo?
Sim, depois de ter falado sobre um jogo, fui atacado nas redes sociais sobre as declarações que fiz. Esse tipo de pressões faz com que, cada vez, os jogadores e os clubes se fechem. Uma coisa é ofenderam-me quando estou em campo, mas quando começam a atacar a minha família, e quase dentro de casa, passa todos os limites. Isso faz com que no próximo jogo, e mesmo com a minha maturidade, me limite a dizer as frases corriqueiras e redundantes. As palavras do Fábio acho que vão ajudar as pessoas a refletir sobre o tema, mas creio que vai demorar tempo a concretizar uma mudança.
Alguma vez sentiu medo num estádio de futebol devido a situações de violência?
Felizmente, nunca senti. Às vezes pensamos no que pode acontecer, principalmente fora, no caminho para casa, mas acredito que tem que ver com a dimensão dos clubes.
Acha que o discurso de alguns dirigentes empola esta situação?
Criam pressão sobre tudo, quando deviam ser os primeiros a acalmar as coisas. Acho que o futebol português tem vindo a transformar-se, com melhores dirigentes, e com mais formação. Mas ainda há muito gente colocada no futebol só para criar esse clima de crispação, sobretudo nessa questão do vale tudo para ganhar.
Notou melhorias na arbitragem nos últimos 12 anos?
Acho que está mais justa, também devido à introdução da tecnologia, nomeadamente do VAR. Ainda há coisas a melhorar, mas estamos no bom caminho.
Acha que os clubes mais pequenos deviam mostrar mais ambição e não falar tanto no "jogo a jogo"?
A diferença de patamares entre, por exemplo, o Rio Ave e as equipas que lutam pelos primeiros lugares e tão abissal que temos de ser realistas. Assumir objetivos sem ter a permanência na Liga garantida, que é o que nos dá estabilidade, não faz sentido.
Nem dizer que o Rio Ave tem ambições de lutar pela Europa?
Se disser isso, e depois acabarmos o campeonato em oitavo, vão dizer que o Rio Ave ficou aquém das expectativas, mesmo que tenhamos uma boa prestação global, no campeonato e nas Taças, como tem acontecido.
Numa recente entrevista recusou o estatuto de lenda do Rio Ave. O que falta para isso?
A palavra lenda é muito forte. Atualmente, lenda é o Cristiano Ronaldo. Sei da importância que tenho para o Rio Ave e a história que construí, mas sei que os jogadores passam pelos clubes e são esquecidos, porque outras gerações aparecem. Não vale a pensar que vamos ficar eternizados no clube. É o futebol.
Mas reconhece que é um jogador emblemático, pelo menos no clube?
Isso acho que sim, até porque estive presente nos melhores momentos recentes do Rio Ave, quando repetimos a presença na final da Taça de Portugal, em 2014, ou nas inéditas participações nas competições europeias. Mas as pessoas vão passando e, sobretudo nestes tempos atuais, a única coisa que fica é o clube.
Sente que ajudou a transformar o Rio Ave nos últimos 12 anos?
Foi um trabalho de todos. Lembro-me quando o Nuno Espírito Santo chegou ao Rio Ave, que lutava então para não descer de divisão, falou comigo e com o João Tomás no balneário e disse que tinha contrato de dois anos e que nesse período tínhamos de ir a uma final. Naquele momento só me apetecia rir. Isto demonstra ambição e transformação que houve neste clube.
Este plantel do Rio Ave é um dos mais homogéneos dos últimos anos?
Já tivemos bons grupos antes, mas o que faz realçar este plantel é ser mais curto, o que permite mais oportunidades de jogar aos atletas. Sinto que temos um plantel competitivo e equilibrado, onde todos percebem a valorização que podem ter pelos bons resultados. O Carlos Carvalhal tem feito um excelente trabalho nesse sentido.
Como está o seu projeto vocacionado para os atletas se prepararem para o final da carreira?
Quero fazer um grande evento ainda este ano, assim como fazer um livro para os mais novos. Quero fazê-lo ainda como jogador, pois sinto que terá mais impacto. Fui um dos primeiros a falar sobre este tema, e não quero que se deixe de o debater.
Com 36 anos a viagem como jogador está perto do final?
Nesta altura sinto-me bem e tenho a melhor profissão do mundo. Sei que estou perto do fim, mas enquanto o corpo responder física e mentalmente, e perceber que sou útil no balneário a passar a minha mensagem para os jogadores como líder, é sinal que faço falta.
BI: Tarantini
Data de nascimento: 7/10/1983 (36 anos)
Naturalidade: Gestaçô (Baião)
Altura: 1,88m
Peso: 78kg
Clube: Rio Ave
Clubes representados: Amarante (formação), Sp. Covilhã, Gondomar, Portimonense e Rio Ave.