O guarda-redes atendeu o telefonema do JN e falou do sonho de receber a chamada de Fernando Santos para o Euro 2020, dos altos e baixos em Espanha e da forma como tentou ajudar João Félix a soltar o talento. Rui Silva também abriu a porta do lado mais pessoal da vida em Granada e perspetivou a estreia no Camp Nou. Pelo meio, destaca a importância da passagem de CR7 por Espanha.
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Ao longo destes anos no Granada, alguma vez se arrependeu de ter deixado o futebol português tão cedo na carreira?
Disso nunca me arrependi, porque tinha o objetivo de chegar à Liga espanhola e, felizmente, consegui. A dada altura, arrependi-me, isso sim, de ter vindo para o Granada, porque cheguei com o intuito de jogar, pensava que ia ser aposta do clube, e durante um ano meio isso não se concretizou. Passou-me muita coisa pela cabeça e o arrependimento foi uma delas.
Afinal, a que se deveu esse afastamento da competição?
Opção dos treinadores e, talvez, alguma falta de reconhecimento. Vinha de Portugal, ninguém me conhecia. Tínhamos o objetivo de nos mantermos na Liga, o treinador optou por um guarda-redes mais experiente [Guillermo Ochoa], mas não conseguiu. Desceu e, no ano seguinte (2017/18), tivemos um treinador novo, mas também não me conhecia. Contratou um guarda-redes [Javi Varas] mais experiente e apostou nele. Não subimos.
Em 2018/19, agarra a titularidade e o Granada volta à Liga.
As coisas mudaram muito. Fui uma aposta da Direção e, sobretudo, do treinador Diego Martínez. Felizmente para mim e para o clube, pois subimos de divisão.
E recebe o prémio de melhor guarda-redes do segundo escalão.
Compensou o trajeto inicial menos bom. Consegui estar bem a todos os níveis, sobretudo mental. Havia dúvidas sobre as minhas qualidades, era normal.
Já esta época, mantém a titularidade desde início, estreia-se no primeiro escalão espanhol e faz um arranque sensacional na prova. Isso estava nos planos?
Sabíamos que o arranque na Liga era importante para ficarmos confortáveis na tabela. Começámos com um 4-4 contra o Villarreal e pouco depois vem uma sequência interessante de jogos sem sofrer golos, creio que três e um deles contra o Barcelona (vitória por 2-0). Ficámos confiantes e queremos alcançar a permanência.
Este domingo estreia-se no Camp Nou, contra o Barcelona agora treinado por Setién. Quais são as perspetivas?
"Será un partido"... Já estou a falar espanhol (risos). Será um jogo muito bonito e interessante. Poder competir com os melhores jogadores do Mundo é gratificante. Já tive essa oportunidade, mas em nossa casa. Temos de nos concentrar no nosso futebol, porque sabemos que, quando há mudança de treinador, eles querem acrescentar algo novo à equipa e isso será um desafio extra para nós.
O Messi é outro...
É um dos melhores do Mundo, é uma referência e pode fazer um golo a qualquer momento, de qualquer sítio, de qualquer forma...
Já não teve oportunidade de defrontar Ronaldo. A saída dele para a Juventus tirou holofotes à Liga espanhola?
Este campeonato continua a ter muita visibilidade, mas se calhar havia mais gente a ver a Liga espanhola, porque a rivalidade entre o Cristiano Ronaldo e o Messi era muito apetecível. Por causa dele, agora há mais pessoas a verem o campeonato italiano. Ronaldo também é um dos melhores do Mundo, escreveu uma história muito bonita no Real Madrid, deixou marca. Mais do que isso, fez com que, em Espanha, respeitassem mais o jogador português.
Gostava de ter defrontado Cristiano Ronaldo pelo Granada?
Claro que sim. Quando cheguei, defrontámos o Real Madrid do Cristiano Ronaldo, mas na altura eu não estava a jogar. Gostava de, um dia, o defrontar.
Poderia ser num treino da seleção nacional...
[Risos] Também seria uma boa opção. Seria um sonho concretizado. Trabalho para lá chegar. A ser chamado, será por mérito meu.
Temos um Europeu à porta. Reserva a esperança de ser convocado por Fernando Santos?
A esperança está sempre presente. Mas é o que tiver de ser. Se o selecionador entender chamar-me, muito bem, seria um sonho, é um objetivo meu. Se não surgir essa oportunidade, tenho de continuar a trabalhar para lá chegar.
O facto de Domingos Duarte, colega no Granada, ter sido chamado recentemente por Fernando Santos...
...Dá motivação. É sinal de que as pessoas também estão a observar-me. Isso deixa-me na porta de entrada.
João Félix, no Atlético Madrid, também oferece visibilidade aos jogadores portugueses que estão na "La Liga". Como comenta a evolução dele no clube e as recentes críticas que lhe têm sido feitas em Espanha?
São coisas normais. Foi uma transferência elevada e, num jogador de 19 anos, tem sempre muito peso. No início, na pré-época, tudo correu bem, logo depois, no campeonato também. Acabou por ter uma lesão que lhe retirou ritmo, mas agora está a voltar ao mais alto nível. De certeza que as boas exibições vão ser novamente frequentes e, se possível, com golos. Sabemos que a adaptação não é fácil: liga diferente, clube diferente, peso da transferência... Mas ele vai mostrar o potencial que tem.
Já o defrontou no campeonato. Falou com ele?
Trocámos de camisolas, falámos. Foi uma conversa curta. Dei-lhe motivação e força para continuar o bom trabalho. É importante termos alguém do nosso país a passar mensagens dessas.
Se calhar, foram as palavras que faltaram ao Rui quando chegou a Espanha.
Eu também tive apoio, mas a adaptação é sempre difícil. Se não consegues mostrar logo os motivos que levaram um clube espanhol a apostar em ti, é sempre complicado.
Vem muitas vezes a Portugal?
Só quando tenho folgas prolongadas.
Mora sozinho?
Moro com a minha namorada e a minha cadela, que me tira muito tempo.
Como é o dia a dia do Rui?
Vou ao treino de amanhã, almoço no clube. Vou para casa e descanso um pouco. Aproveito para estar com a família e brincar com a cadela. Ao fim da tarde faço mais um treino, uma ida ao ginásio. À noite vejo uns filmes e umas séries.
Já tem casa própria?
Vivo numa casa alugada.
Isso quer dizer que sonha dar o salto para outro clube?
Estou muito contente em Granada, é uma cidade acolhedora, mas não sei o que o futuro me reserva. Também vivi quatro anos na Madeira e não sabia que viria para aqui. Fazer um investimento numa casa tem de ser pensado e eu não sei o dia de amanhã.
Saindo do Granada, será para voltar a Portugal ou continuar no estrangeiro?
Já pensei sobre isso, mas não cheguei a nenhuma conclusão. Não vivo obcecado com isso. Estou feliz, as pessoas gostam de mim. Admito que, por vezes, não é fácil ser-se português em Espanha, mas eu sinto muito apoio aqui. De qualquer forma, nunca descartarei um possível regresso a Portugal.
Tem algum clube preferido?
Pode soar mal, mas não tenho. É o que tiver de ser, gosto muito do futebol português. Espero regressar, não sei para qual clube.
Está a torcer pela subida do Nacional, que representou por quatro anos e meio?
Sim. Os últimos anos têm sido complicados, no sobe e desce de divisão. Tenho muito carinho pelo clube. Espero que voltem já este ano à Liga.
Que treinadores mais o marcaram?
Numa primeira fase, o míster [Manuel] Machado foi muito importante, mas quem mais me marcou foi Diego Martínez. Apostou em mim para eu ser tudo aquilo que sou hoje. Foi um treinador que me motivou ao máximo, acreditou nas minhas capacidades.
Que guarda-redes tem como referências?
Na minha infância o meu ídolo era o Vítor Baía. Como sou do Porto, ia ao estádio ver os jogos e tinha o sonho de ser como ele. Da atualidade, é o Ter Stegen, um guarda-redes completo como o Oblak. E o Rui Patrício, é o melhor guarda-redes português, identifico-me muito com ele.
CV: Rui Silva
Data de nascimento: 07/02/1994 (25 anos)
Nacionalidade: Portuguesa
Clubes: Nacional e Granada
Internacionalizações: Sub-21 (duas), sub-20 (duas) e sub-19 (três)