Filipe Duarte Santos avisa que as emissões globais de dióxido de carbono continuam a aumentar, pondo-nos em cima do cenário mais gravoso do impacto das alterações climáticas.
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Em entrevista ao JN, o físico Filipe Duarte Santos, do Laboratório de Sistemas, Instrumentação e Modelação em Ciências e Tecnologias do Ambiente e do Espaço da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, reflecte sobre a actualidade das projecções do projecto SIAM - Alterações Climáticas em Portugal - Cenários, Impactos e Medidas de Adaptação (2006).
O SIAM projecta para Portugal subidas da temperatura média em 2 a 8,6 graus centígrados. Mantém-se actual?
Trabalhámos com cenários sócio-económicos sem medidas específicas de redução das emissões, como o Protocolo de Quioto. Até 2008, as emissões globais de dióxido de carbono (CO2), relativamente a 1990, aumentaram 41%. Um objectivo do Protocolo é reduzir as dos países desenvolvidos em 5,2%, o que não será conseguido porque alguns, como os EUA, com emissões consideráveis, não o ratificaram. Mesmo que venha a ser cumprido, está muitíssimo longe do objectivo de reduzir as emissões globais. Nos últimos 20 anos, estão ligeiramente superiores ou mesmo em cima do cenário sócio-económico mais gravoso.
Os dados tendem a dá-las como concretizáveis?
Se for possível chegar a um acordo ambicioso em Copenhaga, não só para 2020, como é ambicioso o propósito da União Europeia de reduzir as emissões em 20% e ir até 30%, e do Japão em 25%, e também um acordo muito significativo para 2050, as projecções não correspondem ao que se irá passar. As emissões globais têm subido, nos últimos 10 anos, a uma média de 3%. No ano passado subiram menos (2%). As estimativas para este ano apontam um decréscimo de 3%, devido à crise económica mundial. É preciso descarbonizar a economia, desenvolver sem custos sociais.
Mantêm-se incertezas quanto a cenários?
Hoje temos menos incertezas. O intervalo de valores para o aumento da temperatura média global está reduzido. O aumento médio global é inferior à média nos continentes, onde é uma vez e meia a duas vezes a temperatura média dos oceanos. Nas últimas décadas, o aumento da temperatura média do mar é de 0,2 graus, mas nos continentes é de 0,3 a 0,4 graus.
Portugal está preparado para os efeitos?
Tem-se adequado à maior frequência de situações de seca, como em 204-2005, não tendo havido situações de ruptura, apesar de forte impacto na agricultura. Outro exemplo é o das zonas costeiras - o fenómeno de erosão nalguns troços, resultante do menor abastecimento de sedimentos à costa, com a construção de barragens. Mas é um facto que o nível médio do mar subiu 15 centímetros no século XX e que está a subir a um ritmo superior - 3,5 milímetros por ano a nível global em média. Num século, subirá 20 a 30 centímetros. O ritmo está a acentuar-se e prevê-se que seja um factor que vai agravar a erosão.
A que se deve esse ritmo?
À dilatação térmica da camada superficial dos oceanos, que está em contacto com a atmosfera mais quente, à fusão dos glaciares e dos campos de gelo das montanhas e à fusão dos gelos que estão acima do nível do mar nas calotes polares.
Mas as profundas estão a aquecer...
Há observações que indicam que se verifica um aumento da temperatura dos oceanos até profundidades de três quilómetros. O sinal que estava à superfície, apesar da muito lenta propagação do calor na vertical, já chegou a três quilómetros de profundidade. Se parássemos agora as emissões todas, a temperatura na atmosfera continuaria a subir muito pouco e a certa altura estabilizaria. Mas os oceanos vão continuar a subir durante mais alguns séculos, devido à lentidão da sua resposta.
A agricultura portuguesa consome 75% da água. Deve-se mudar o paradigma com a escassez previsível?
É preciso fazer planos, saber em que medida é viável continuar a aumentar a agricultura irrigada. Provavelmente a baseada no regadio não será viável numa boa parte do território, sobretudo no Sul.
Que regiões do país mais o preocupam?
As mais problemáticas são as do Sul, mais vulnerável porque se projecta uma redução da precipitação anual, que é relativamente maior no Sul. Embora a redução de 100 milímetros seja geral no país, tem impactos diferentes no Norte, onde a precipitação é de 900 a 1000 ml, e no Sul, onde é de 400 e quando muito 500 ou 600...
Também na Beira Interior se sentirá...
Sim, com certo ímpeto, com as ondas de calor, que aliás vão generaliza-se, com efeitos na saúde. A Norte, o risco de inundações em resultado de fenómenos climáticos extremos será maior. Nas zonas costeiras, que são as mais vulneráveis à erosão, sobretudo de Viana do Castelo à Nazaré e, no Algarve, do Ancão ao Guadiana.
O que é necessário?
Pretende-se que a temperatura média global da baixa atmosfera não aumente mais de dois graus centígrados relativamente ao período pré-industrial. Importa salientar que já houve um aumento de cerca de 0,8 graus relativamente a esse período. Para cumprir este objectivo é necessário que as emissões globais atinjam o seu máximo entre 2015 e 2020 e depois decresçam sistematicamente.
O que está a acontecer é inédito na história do clima?
A relação entre a concentração do CO2 e a temperatura média global da atmosfera está bem estabelecida. No passado muito recuado, houve períodos em que a concentração era mais elevada do que agora. No Cretáceo, período em que havia dinossáurios, a temperatura média era cinco ou mais graus. O que está a acontecer é que estamos a aumentar a concentração de CO2 num intervalo de tempo extremamente curto, de cerca de 250 anos.
A temperatura média global é semelhante à do período quente medieval, à qual se seguiu a Pequena Idade do Gelo. A curva crescente é irreversível?
Se deixarmos de emitir, deixamos de perturbar o sistema climático de maneira significativa. Se deixarmos de emitir gases, a temperatura estabiliza. Há uma correlação muito bem demonstrada entre a concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera e a temperatura na atmosfera.
O que espera de espera de Copenhaga?
Os temas principais são chegar a um acordo de redução de emissões obrigatória e calendarizada para os países desenvolvidos e com metas para os países em desenvolvimento. Teremos que reduzir as emissões globais em 25 a 30%, até 2020. É um desafio tremendo, mas é possível alcançar. E ainda é necessário uma redução global da ordem dos 50%.