Cenários tórridos da subida da temperatura prevêem efeitos nos mares, gelos, solos e sistemas naturais de que o Homem depende
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Há sinais evidentes de um planeta em aquecimento: temperaturas médias globais e regionais a subirem, calotes polares e glaciares a derreterem, nível das águas dos oceanos a altearem, fenómenos extremos, como inundações e secas, a atingirem mais gente. Equipas de cientistas vêm produzindo trabalhos que apontam como maior culpado o dióxido de carbono (CO2) e a concentração deste gás com efeito de estufa na atmosfera. A responsabilidade desse fenómeno é assacada às actividades humanas, sobretudo a partir da Revolução Industrial.
Desde 1988 que a comunidade científica internacional tem vindo a monitorizar de maneira mais consistente o que se passa com o clima na Terra. E desde então são traçados cenários sobre o que acontecerá até ao final deste século se o homem não reduzir de modo drástico as emissões de carbono, o mais significativo entre os causadores do efeito de estufa (o metano é outro e provém, entre mais fontes, dos animais ruminantes, como a vaca).
Até antes da grande intensificação industrial, os níveis de CO2 na atmosfera equilibravam-se através de processos naturais: florestas e oceanos absorviam parte substancial das emissões, mas agora já são insuficientes para "digeri-las". A formação de carbono decorre em grande parte da queima de combustíveis fósseis, como o petróleo, o gás e o carvão. E não tem parado o crescimento do seu consumo. Os transportes influenciam em muito a flecha ascensional das emissões. Mesmo após a entrada em aplicação do Protocolo de Quioto por alguns dos países mais industrializados, a atmosfera recebe cada vez mais poluentes, porque há outros países que também querem crescer.
O ano de 2005 foi o mais quente desde finais do século XIX. Se nos centrarmos na Europa, os dados disponíveis nos registos indicam que o aumento foi superior à média global: nos últimos cem anos, os termómetros subiram mais 0,95 graus. Sobretudo os Invernos tornaram-se mais amenos, mas os Verões ficaram mais escaldantes. Desde 1850, no nosso continente, os 11 anos mais quentes aconteceram nos últimos 15 anos.
Em termos globais, acentuaram-se os fenómenos climáticos extremos (como inundações e as secas). O retrato desta realidade é tirado por imagens de satélite e outros recursos científicos. O recuo dos gelos polares acentua-se em cada estação e estão a começar a ficar abertas, a Norte, rotas marítimas que a massa das calotes polares antes vedavam. A história da Terra é extraída de cilindros escavados a esses gelos e conta como foi o clima há séculos e milhares de anos , indicando as concentrações de então de CO2.
Glaciares e neves eternas derretem como gelado em dia de Verão. Sobe, então, o nível do oceanos: em torno da Europa, durante o século XX, isso aconteceu ao ritmo de um a dois milímetros por ano. Parece pouco, mas, segundo projecções do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, da ONU, até ao final deste século, o oceano em nossa volta pode crescer em altura entre nove a 88 centímetros. Muitas espécies serão varridas da face da Terra.
A grande diferença nestes cenários tem a ver com a estimativa da quantidade de emissões para a atmosfera. Actualmente, há quase um consenso internacional, em termos científicos, e que vai ter expressão na conferência de Copenhaga, que amanhã começa: o aumento da média global da temperatura em dois graus face à época pré-industrial não pode ser ultrapassado, sob pena de desequilíbrio incontrolável dos sistemas climáticos.
Deixar que a atmosfera aqueça além desses dois graus, ainda "toleráveis", vai pôr em risco a vida ou o modo de sobrevivência de parte substancial da humanidade. Actividades económicas, saúde, alimentação, água, tudo será posto em causa, particularmente em zonas mais vulneráveis, muitas delas coincidindo com concentrações populacionais. O avanço dos desertos ou as inundações farão aumentar o já numeroso grupo dos refugiados ambientais. Já a partir de dois graus de aumento generalizam-se as inundações costeiras e a fome aumenta.
Na Europa, há quem até beneficie com o aumento das temperaturas, com os nórdicos a serem receptáculo dos fluxos turísticos em fuga do Sul. Portugal será dos mais perdedores do continente: em água, em energia, em agricultura, com ondas de calor e talvez malária, sem procura de visitantes como agora.
O consenso científico do Painel Intergovernamental de que dois graus de aquecimento são o máximo tolerável para o planeta serve de base às negociações de Copenhaga e tem na Europa um dos grandes defensores. Os cálculos científicos apontam para duas condições visando esse objectivo: as emissões de gases com efeito de estufa não podem atingir um pico para além de 2030 (de preferência durante a década anterior) e, a meio deste século, os valores de 1990 têm de ser cortados para metade. São estas datas e taxas de corte que vão estar no tabuleiro das negociações até ao último da desta cimeira sobre o clima. Os ajustes não são fáceis e, até ao último dia, vamos assistir a propostas e contra-propostas, bem como a reivindicações que os países procuram à sua medida, invocando o interesse das suas economias.