A crítica foi feita na última semana pelo antigo presidente da República Jorge Sampaio: os rostos da política portuguesa não se alteraram nos últimos 30 anos, apenas envelheceram. E é imperativo que haja um rejuvenescimento nesta área para bem da saúde democrática, defende Sampaio.
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Embora esta continuidade tenha vantagens, porque a profissionalização significa ter pessoas melhor qualificadas nas áreas em que vão trabalhar, como defende Manuel Merinho, da Universidade de Lisboa, também tem o seu lado negativo. "Esta cristalização limita potencialmente as ideias e o envolvimento dos cidadãos nos partidos", sustenta Carlos Jalali, da Universidade de Aveiro.
Na área do comentário político-económico, sobretudo em televisão, o cenário não é muito diferente e está, também, sujeito a críticas. Há cerca de uma semana foi lançada um petição online "contra o tom monolítico e redundante que tem dominado os meios de comunicação social" na "análise da crise e à apreciação das medidas de austeridade em curso", o que, defendem os seus promotores, "resulta em larga medida do convite recorrente a um leque muito limitado de comentadores, em regra alinhados com uma única perspectiva sobre as questões em debate".
Investigadores na área da comunicação social consideram que esta realidade se deve, por um lado, ao facto de os canais de televisão "arriscarem muito pouco, pelos investimentos envolvidos" e, por outro, não investirem tempo na procura de novos rostos, que consigam aportar novos ângulos sobre a vida nacional.
Críticas rejeitadas pelos directores de informação dos três canais generalistas de televisão, que defendem haver novos comentadores e novas opiniões.
Habituámo-nos a vê-los ano após ano no espaço político-mediático. Ocupando cargos partidários, de governação ou na administração de institutos ou empresas públicas. Muitos começaram a entrar na esfera pública como militantes das juventudes partidárias e/ou líderes estudantis. Outros, uma minoria, iniciaram-se como independentes, mas acabaram por inscreverem-se nos partidos políticos.
O antigo chefe de Estado, Jorge Sampaio, criticou, na última semana, esta realidade, dizendo que os rostos da política portuguesa pouco se alteraram nas últimas três décadas e defendendo a necessidade do seu rejuvenescimento. Mas esta fraca renovação das elites político-partidárias tem um lado positivo para as democracias, defende Manuel Meirinho, professor de Ciência Política no Instituto Superior de Ciências Sociais e Política da Universidade Técnica de Lisboa.
"A profissionalização significa que as pessoas são melhor qualificadas, conhecem melhor as matérias sobre as quais vão trabalhar, é uma evolução das próprias democracias", explica. Ressalva, no entanto, que "a profissionalização meritocrática é positiva, mas a clientelar não".
Afirmando que "o poder tem uma atracção pela permanência e não pela alteracção", Manuel Meirinho considera, contudo, que "os próprios partidos são incapazes de recrutarem pessoas na sociedade civil, por a política ser uma área pouco atractiva e muito clientelar, e poder prejudicar as carreiras profissionais".
Carlos Jalali, professor na Universidade de Aveiro e investigador do Centro de Estudos de Governança, Competitividade e Políticas Públicas, afirma que este facto "não é surpreendente", mas que é importante perceber os porquês. "A questão é saber até que ponto este é um sistema fechado, que não permite a entrada de pessoas sem um percurso político. Se isso deriva de uma falha dos partidos políticos ou do facto de os cidadãos não quererem participar", refere, acrescentando que, do seu ponto de vista, se trata "de um misto dos dois".
Jalali refere que há uma mudança geracional. Políticos como Sampaio ou Durão Barroso "tiveram uma socialização política, mas não partidária", uma vez que foi nas lutas estudantis que iniciaram os seus percursos. Outros, como José Sócrates, Paulo Portas e Pedro Passos Coelho, começaram na juventude partidária (todos na JSD), passando depois para as estruturas de direcção dos partidos (PS, CDS-PP e PSD, respectivamente).
No artigo "A profissionalização política dos deputados portugueses", André Freire, do Centro de Investigação e Estudos em Sociologia do ISCTE, considera que "a profissionalização política representa um certo fechamento do acesso às carreiras políticas e, por isso, colide com o ideal de incrementar as possibilidade de participação política e a abertura do acesso aos cargos políticos".
Jalali refere que "a sociedade civil é vista, cada vez mais, como uma alternativa saudável, mas a sua participação em associações é das mais baixas da União Europeia". Defendendo que a renovação "é desejável", também não esconde que uma certa permanência "permite uma especialização e uma rotinização". "É um equilíbrio muito difícil de encontrar", assume.
Profissão: comentador?
Se esta é a realidade quanto aos rostos da política, o que acontece relativamente aos que comentam as questões que marcam a vida do país, principalmente aos que o fazem nos canais de televisão? Rita Figueiras, professora auxiliar na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa e autora do livro O Comentário Político e a Política do Comentário, não hesita em afirmar: "Genericamente, não se alteraram nos últimos 20 anos, quer quanto ao perfil, quer quanto à sua permanência nessa condição de comentador". Nem o surgimento das televisões privadas alterou esta realidade. "Apenas abriram novos sítios para os mesmos comentadores", sustenta.
O perfil do comentador também não se modificou. Continuam a ser primordialmente homens, com actividade política ou académico ou uma profissão liberal, "em alternância ou complementarmente", que exercem a sua actividade na região de Lisboa. A mulher continua a estar fora desta esfera, "por toda uma tradição que dita que o espaço público é do homem", defende Rita Figueiras. Ao que Felisbela Lopes, professora do departamento de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho, acrescenta: "As televisões têm tendência a convidar pessoas que estão no topo e as mulheres continuam a ser uma minoria nesses lugares".
O director de informação da TVI, Júlio Magalhães, aceita a crítica, mas explica que isso se deve ao facto de "os homens estarem sempre mais disponíveis do que as mulheres". "Na TVI, temos a preocupação de também ter mulheres como comentadoras, mas nem sempre conseguimos", explica. Quanto ao facto de a grande maioria dos comentadores ser da região de Lisboa, Júlio Magalhães diz que isso se deve ao facto de as sedes das televisões estarem em Lisboa. "A comunicação de um comentador fora do estúdio não funciona tão bem", explica.
Gustavo Cardoso, do Departamento de Ciências e Tecnologias da Informação do ISCTE, considera que, se o fenómeno "não for contrariado, há muito poucas ideias em discussão. O que explica o afastamento dos públicos em relação à informação que está a ser dada". "Os comentadores são como uma equipa de futebol: não deveriam ser os mesmos todas as épocas", defende.
Autor do estudo Apresentadores e Comentadores da Actualidade na Televisão Potuguesa (em co-autoria com Rita Cheta), Gustavo Cardoso sublinha ainda que se assiste a um fenómeno de "circulação" dos comentadores entre os vários canais. "Procurar novos comentadores envolver mais tempo, uma organização mais atempada", diz.
Alcides Vieira, director de informação da SIC, explica que "é natural que, quando um comentador funciona bem em televisão seja mais vezes convidado" e que "há áreas, como a da magistratura, onde é difícil arranjar quem queira comentar". Quanto a crítica de que os responsáveis das televisões não investem tempo à procura de novas vozes, contrapõe: "A maioria das pessoas que hoje vai regularmente à SIC comentar, fui eu que as descobri", garante.
Felisbela Lopes, autora de Televisão do Real e de A Televisão das Elites, considera que a televisão "arrisca pouco, o que leva a uma saturação das audiências. É importante, em determinada altura, introduzir a novidade". Para esta professora, essa continuidade dos mesmos comentadores resulta num "espaço público empobrecido, numa cidadania de baixa intensidade". "Não há um debate plural e diversificado. Não há cabeças a pensarem noutros ângulos", critica.
O director da RTP, José Alberto Carvalho, considera natural que a maior parte dos comentadores seja de Lisboa, pois "é aqui que está sedeada uma parte significativa do poder político e económico", mas defende que o surgimento da RTP-N veio combater o fenómeno. Assume que a procura de novos rostos exige mais tempo, mas explica que um comentador tem de ser alguém "com algo para dizer e que seja eficaz a dizê-lo". A sociedade civil parece estar a despertar para a questão. Numa semana, uma petição online a exigir pluralismo na opinião televisiva em temas político-económicos ultrapassou as mil assinaturas.