Regionalização com redução de concelhos e freguesias, de criação simultânea e competências graduais é um dos modelos admitidos.
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Por ser considerado mentor do actual líder social-democrata, poder-se-ia supor que Ângelo Correia seria um adepto da regionalização. Mas não é. "Tenho imensas dúvidas. Se tivesse a garantia de que não agravava os custos e que seria um instrumento de reorganização do Poder autárquico, não me importaria, mas não vai ser. Vai ser um acrescento e nessa altura, ou nos próximos tempos, é inaceitável", refere. Por causa da situação financeira do país.
Já o ex-dirigente comunista, Carlos Brito, acérrimo defensor da regionalização desde a Assembleia Constituinte - "um dos combatentes da primeira linha" - , diz que "se justifica cada vez mais, porque também se acentuam cada vez as mais as desigualdades inter-regionais do país."
Membro do "Movimento Regiões Sim" que, na anterior legislatura entregou mais de 8500 assinaturas na Assembleia da República, para que o tema voltasse à agenda política, considera que a configuração das CCDR "já tem lastro e, por isso, em vez de se inventar outros mapas, deve dar-se força à criação das cinco regiões."
Rejeitando que implique um aumento da despesa pública. "Isso é um dos muitos argumentos que os centralistas criam para que as pessoas fiquem confundidas e não sejam sensíveis a todo o alcance dessa reforma. Até porque as estruturas das CCDR já existem e basta aproveitá-las bem como aos quadros existentes. Em certo sentido até poderá haver uma racionalização de custos", conclui.
"Demasiado chefes para poucos índios"
Opinião oposta tem o ex-ministro das Finanças, Eduardo Catroga. "Seguramente que aumenta a despesa pública porque é criado mais um patamar de decisão política, com mais estruturas da Administração Pública a nível regional, havendo duplicações, redundâncias e excesso de despesa".
Para o antigo governante, "não há estudos que demonstrem que não haverá aumento de custos e os defensores da regionalização também não os querem fazer".
Além de que, "na actual situação financeira do país, é como estar a discutir 'o sexo dos anjos' para desviar as atenções da verdadeira razão: arranjar novos empregos para muitos dos autarcas que vão ficar desempregados", pois não podem recandidatar-se a um novo mandato. Além de que, Portugal "em si, já é uma região da Península Ibérica, com a dimensão da Catalunha", pelo que para Catroga, "é como diz o povo: seriam demasiados chefes para poucos índios."
"O principal problema do país é a produtividade", sublinha o economista: "Ainda agora foi publicado um relatório internacional e não diz, como nunca nenhum disse, que a pretensa falta de regionalização política do país é um factor de não-competitividade. É um falso problema".
Para o ex-ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, (entre 1995-1999), o socialista João Cravinho seria útil os partidos aproveitarem "o próximo processo de revisão constitucional para admitir a criação de uma ou de mais do que uma região-piloto". Embora considere que "neste momento, não há razão para considerar a revisão da Constituição uma prioridade".
De acordo com o administrador do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento (BERD), "a prioridade é Portugal conseguir o domínio, o controlo das finanças públicas".
Com uma visão diferente da política, por ser independente (embora tenha sido eleito com o apoio do PSD), Francisco Moita Flores, ex-inspector da Polícia Judiciária e desde 2005 presidente da Câmara de Santarém, reage de forma espontânea: "A gente está sempre a voltar aos mesmos temas, o que revela uma falta de imaginação terrível".
"Se a regionalização fosse um instrumento de desenvolvimento... mas não acredito porque os partidos estão viciados em lugares e 'tachos' e clientelas", assinala. "Se fosse um instrumento de agilização, seria uma coisa fabulosa", reconhece. "O problema é que isso leva logo a 'cacicagem' do costume a querer ocupar lugares e para isso já chegam os Governos Civis", ironiza.
Para Moita Flores, "quem quiser debater a regionalização tem de ir por etapas e, antes de mais, discutir para que servem os Governos civis. Querem poupar milhões, acabem com os Institutos, milhares de pessoas, tecnocratas que se alimentam dos seus 'podereszinhos' e não tem caras... e com os governos civis que são verdadeiros 'enxames' que representam milhões sem produzir um cêntimo de receita e que não fazem nada. E depois logo se discutiria a regionalização".
Explicando o que receia. "Temo que a regionalização seja a duplicação dos governos civis. Para haver moral era primeiro acabar com este tipo de figuras, porque senão é só para criar mais burocracia e despesa".
Um mau debate não dá uma boa reforma
Vasco Cunha, líder da distrital do PSD de Santarém, considera que faz sentido criar um modelo de descentralização intermédio, com um órgão acima das autarquias, mas ressalva: "Não passo um 'cheque em branco' à regionalização tal como tem sido apresentada", afirma.
Já o ex-dirigente do PS, José Medeiros Ferreira, lamenta que a regionalização não tenha sido feita em 1998, quando foi feito o referendo. "Agora é forçar um pouco a ordem de prioridades voltar com o tema à baila," diz.
"Se houvesse uma restruturação administrativa do território: incluindo as regiões, os concelhos e as freguesias, num grande pacote de revisão administrativa, mas uma regionalização autonomizada sem tocar nos outros escalões, parece-me um tema ideológico de uma questão que não é consensual."
Também Fonseca Ferreira, ex-presidente da CCDR de Lisboa e Vale do Tejo, concorda que se regionalize a par de toda "uma reforma global da Administração do Estado, com a redução do número de concelhos e de freguesias". Para minimizar despesas. O exemplo é elucidativo: "Há 36 municípios no país com menos de cinco mil habitantes, que têm executivo camarário, assembleia municipal, serviços técnicos, etc."
Para João Ferrão, secretário de Estado do Ordenamento do Território no anterior Executivo de José Sócrates, o modelo das cinco regiões é o mais adequado, esperando " que essa questão não seja reaberta, porque não é o aspecto fundamental".
"A discussão é oportuna - e refiro-me ao relançamento do debate e não ao da reforma em si - mas tudo depende da forma como for desenvolvida. Se for demasiado ruidosa, em que se mistura com outros temas político-partidários, acaba por ser perniciosa. E se tivermos um mau debate e não teremos uma boa regionalização ", refere, aludindo à fusão do tema com a revisão constitucional e o Orçamento do Estado para 2011.
O geógrafo considera essencial realizar "um debate tranquilo sobre a regionalização" que nunca foi feito. Sobre a criação de um região-piloto, diz que lhe subjaz "um certo experimentalismo", parecendo-lhe "errado apresentar a dicotomia: ou se avança em todo o país ou se cria uma região-piloto."
A alternativa, segundo o ex-governante, pode ser "o avanço da regionalização, mas a aplicação de atribuições e competências ser gradual", salienta. Antes de concluir que "se a regionalização não conseguir uma efectiva coordenação de políticas públicas de base territorial, não se justifica".