Autoridade vai investigar se as plataformas eletrónicas estão a promover "preços predatórios" e se há cartelização no setor.
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A Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) desconfia que o transporte de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica (TVDE) está a violar a concorrência, através de práticas concertadas de cartelização e abuso de posição dominante. As suspeitas foram enviadas à Autoridade da Concorrência, que deverá avaliar indícios do crime. Contudo, até estar pronto o relatório do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, no final do ano, não deverá ser possível alterar a lei de 2018.
O alerta chegou à AMT pela voz dos operadores de TVDE e dos motoristas, que prestam serviço para as plataformas eletrónicas. "É extremamente difícil a questão dos algoritmos, não conseguimos acesso, já que não estão em Portugal. Os TVDE andam à frente do regulador", afirmou o presidente da AMT, João Carvalho, chamado ao Parlamento para explicar se há falta de fiscalização da Lei 45/2018.
Os motoristas TVDE queixam-se das "tarifas dinâmicas", dizendo que não recebem serviços se não baixarem a tarifa para o mínimo - e que isso fica abaixo do custo, até porque deixam de ser chamados os veículos mais próximos do cliente. São privilegiados os carros que fazem desconto. A lei não prevê tarifas mínimas e a Uber recorda, ao JN, que "a estrutura de custos da prestação do serviço varia de operador para operador e de motorista para motorista", em função da dimensão das empresas ao serviço da plataforma. A Bolt só comenta que "está a analisar o relatório, publicado pela AMT, para avançar com as devidas conversações com a Autoridade da Concorrência".
Quem consegue sobreviver são os maiores. A AMT detetou um operador de TVDE que tem 200 viaturas. "Tem uma economia de escala enorme e pode fazer os preços que quiser", apontou João Carvalho. "Há operadores com um só carro, outro tem 400 viaturas e aqui pode "obrigar" os motoristas a fazer descontos enormes".
Depois há as questões de trabalho. No Reino Unido, o Supremo Tribunal decidiu que as plataformas eletrónicas são empregadoras dos motoristas, com direito a proteção social. Por cá, muitos são falsos prestadores de serviços.
A Autoridade para as Condições de Trabalho não tem dúvidas de que estes motoristas "não são empresários em nome individual" e que trabalham com uma "maior exposição e vulnerabilidade, exploração", que também passa pela prática da tarifa dinâmica por parte dos operadores. Aliás, a inspetora-geral, Maria Fernanda Campos, já avisou que "há uma dissimulação do contrato de trabalho, uma falsa prestação de serviço, com grupos de trabalhadores afastados da proteção social".
Falsos recibos verdes
A Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) detetou, em 2020, 275 trabalhadores em situação irregular e, este ano, outros 37. Na sequência da intervenção da ACT, foram regularizados 117 trabalhadores em 2020 e 20 em 2021, convertendo os seus contratos de prestação de serviços em contratos de trabalho.
Excesso de horas
Outra irregularidade, já detetada pela Autoridade para as Condições de Trabalho, é o registo dos tempos de trabalho, uma vez que muitos trabalhadores "se encontram convictos de que estão a trabalhar por sua conta para potenciar os seus ganhos".
Veículos irregulares
Nos últimos dois anos e meio, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes levantou 574 autos aos TVDE por motivos diversos, desde a "prestação fora de serviço da plataforma eletrónica, condução por motoristas que não da plataforma e utilização de veículos não inscritos", mas também "faltas de inspeção periódica dos veículos, alguns veículos a circular sem a identificação TVDE ou mesmo publicidade dentro dos veículos, que é proibida por lei".