O consumidor está a pagar taxas de IVA diferentes para os mesmos produtos alimentares. Face à complexidade do imposto, há industriais, fornecedores de superfícies comerciais, que têm dúvidas.
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Uns arriscam e aplicam a taxa intermédia (13%), outros jogam pelo seguro e apostam nos 23%. Os comerciantes aplicam as respetivas taxas e há clientes a pagar mais ou menos. É uma questão de sorte e azar.
Incertezas: AT inundada com questões
Devido à forma como está feita a legislação, há por vezes a necessidade de a Autoridade Tributária (AT) dizer se determinado produto é taxado a 13% ou, se for transformado, a 23%. Quem o diz é Manuel Tarré, presidente Associação da Indústria Alimentar pelo Frio (ALIF) e da Associação Nacional de Comerciantes Industriais Produtos Alimentares (ANCIPA). "A AT nem sempre sabe e demora meses a dar pareceres. O resultado é que nem todos os nossos associados usam a mesma taxa para os mesmos produtos. Quem utiliza a máxima, está sempre a salvo, mas quem usa a taxa abaixo, correndo riscos, sujeita-se a que um dia tenha problemas com a AT", explica.
Em termos simples, o supermercado ou a mercearia aplicam aos clientes a taxa de IVA já escolhida, a montante, pela indústria fornecedora. "Por exemplo, num preparado para uma paella ou num "sea food mix", havendo lulas, berbigão ou choco, a taxa é de 6%, mas se acrescentarmos camarões ou delícias do mar, mesmo que pesem 2% a 5% da embalagem, o IVA é de 23%", exemplifica. Questionada pelo JN, a AT disse que recebe 800 questões sobre o assunto por mês e que tem respondido dentro do prazo legal. Reconhecendo a complexidade da matéria, a AT sublinha que tem publicado informações vinculativas sobre o IVA no Portal das Finanças. Por outro lado, apela à denúncia de situações de concorrência desleal devido às taxas de IVA.
Incoerências: restaurante, casa e supermercado
"Quando o nosso primeiro-ministro ganhou as eleições em 2015, prometeu que baixaria o IVA de 23% para 13%. Mas isso criou assimetrias. Os filetes de peixe pagam 6% de IVA se forem comprados frescos ou congelados, 13% num restaurante e 23% se pré-cozinhados e congelados, levados para casa pelo consumidor para concluir a confeção. Não faz sentido", exemplifica Manuel Tarré. Aquele foi o exemplo que a ALIF escolheu para escrever uma carta de protesto a Mário Centeno, ministro das Finanças.
Taxas: produtos a duas velocidades
Os produtos-base são os mesmos, mas com taxas diferentes. Se há serviço associado, a taxa é de 13%, por regra, salvo exceções. Confuso? Se os consumidores compram no supermercado ou restaurante e levam para casa, a taxa é a máxima. "As pessoas que vão ao restaurante é que têm mais capacidade financeira", lembra Manuel Tarré. Em julho de 2016, o IVA da restauração regressou à taxa intermédia do IVA, depois de ter estado nos 23% desde 2012. Ao rebaixar a taxa, o Governo atual não quis incentivar a descida de preços (que não foi de todo sentida pelos consumidores), mas antes a manutenção ou reforço do emprego no setor. O problema foi a lista de disparidades surgida: sumo de laranja, sumos e néctares de frutos, copo de leite, leite com chocolate, pão, iogurte, fruta, pastelaria, gelados e salgados, entre outros, pagam 13% se houver um serviço prestado ou 6% ou 23% se houver simples venda para o cliente levar para casa. O vinho e as águas artificialmente gaseificadas pagam 23% num restaurante e 13% se for para consumir em casa. "O cidadão acha incompreensíveis certas situações. Uma sopa ser tributada em IVA a uma taxa superior a um espetáculo ou a compra de uma revista", refere Anabela Santos, consultora da Ordem dos Contabilistas Certificados.
Contabilistas e fisco
Anabela Santos
Ordem dos Contabilistas Certificados
"Os custos de cumprimento são elevados em Portugal (...). A isto acresce a complexidade do sistema fiscal, que cria dificuldades de interpretação e aplicação das normas".
Autoridade Tributária
"A AT continua a trabalhar para melhorar o prazo médio de resposta aos contribuintes, tendo sido distinguido com financiamento comunitário um projeto de inteligência artificial nessa área".