Em agosto, mês que era o pico do turismo, 13 municípios algarvios duplicaram número de pessoas sem trabalho.
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Agosto era o pico da época alta e, tradicionalmente, aquele em que havia menos desemprego. A pandemia inverteu a tendência: o desemprego cresceu 560% em Albufeira e mais do que duplicou em 12 outros concelhos da região, ficando acima de 50% em 51 municípios do país. Só 19 conseguiram ter variações positivas face a agosto de 2019. O turismo e os serviços associados são os setores mais afetados e as soluções de curto prazo podem passar pela reconversão do emprego.
Os números do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) relativamente ao mês de agosto colocam dez concelhos do Algarve no "top 10" dos que tiveram maior agravamento do desemprego naquele que deveria ser o mês mais produtivo para a região. Ainda que, em valor absoluto, os concelhos com maior número de desempregados se mantenham em Lisboa e arredores, o agravamento registado no Algarve tem o peso acrescido pela sazonalidade de toda a economia.
Peso da hotelaria
"O comércio, os serviços e a hotelaria representam 70% da economia do Algarve e acabam por depender todos do turismo. Trabalha-se muito no verão para faturar para o inverno, mas agora vamos somar 18 meses de época baixa, sem negócio que aguente as empresas", lamentou Paulo Alentejano, presidente da Associação do Comércio e Serviços da Região do Algarve (Acral). Para o responsável, "já se devia ter procurado diversificar setores de atividade" na região, dando como exemplo o concelho de Faro, menos turístico, onde o desemprego aumentou menos (150%) do que em Albufeira (560%).
"Fez-se com algum êxito um trabalho de atração da área tecnológica, tendo em conta que temos a universidade, o aeroporto, hospital e praias, uma vez que a qualidade de vida é importante para essas empresas. Mas é preciso mais", resumiu. O conselheiro do Governo, António Costa Silva, apresentou um plano para a recuperação económica que relega o turismo para plano secundário e que aposta na reindustrialização. José Reis, coordenador do Observatório sobre Crises e Alternativas, explica que o turismo tem produzido emprego de salário mínimo e baixo valor acrescentado, pelo que o Algarve deve olhar ao exemplo dos concelhos do Interior.
sazonalidade em causa
"O problema do turismo está no tipo de emprego que criou, quando o interior, mesmo com êxodo demográfico, conseguiu criar outro tipo de emprego, relativamente estável e até com alguma dimensão, onde até o turismo resistiu melhor este ano", elencou o economista. "Menos sazonal, não depende de um único setor e produz também para a procura interna", resumiu.
A reindustrialização que defendem os economistas "não se trata de pôr o país a fumegar", acrescentou o economista. "Em média, só 60% das nossas exportações incluem produção nacional. Basta aumentarmos esse valor para 70%, para criar milhares de empregos", considerou.
Para o Algarve, a curto prazo, a solução poderá ser "reconverter o emprego do turismo para outros serviços que precisam de pessoal, desde as escolas aos serviços a idosos, passando pelo pessoal de logística necessário ao comércio eletrónico".
À LUPA
Insolvências crescem
Em agosto, segundo a consultora Informa D&B, as insolvências aumentaram 21,5% a nível nacional (158 empresas). No distrito de Faro, o aumento foi de 150%. Lisboa também lidera, com 129,4% de insolvências no pico do verão. No Porto, o fenómeno só evoluiu 2,6% (39 empresas, mais uma do que em agosto de 2019).
Interior cria mais
Nasceram menos 178 empresas em agosto (queda de 6,5%), mas os distritos de Bragança (42), Guarda (22) e Vila Real (33) criaram mais 420%, 169,2% e 143,5% de negócios, respetivamente. Faro (-26,2%), Lisboa (-20,6%) e Porto (-19,2%) viram nascer menos empresas em agosto.
Ia mudar de emprego e fiquei sem nenhum
<>ong>Joana Mota, de 26 anos, trabalhava na restauração e não lhe faltavam opções. Veio a pandemia, foram-se os turistas e a vida virou por completo.
No espaço de um ano, a vida de Joana Mota mudou radicalmente. A jovem de 28 anos, mãe de dois filhos, uma menina de 9 e um rapaz de 2, residente no centro de Lisboa, ilustra a realidade da capital, que em agosto deste ano era o concelho com mais desempregados e com um aumento de 167% face a igual mês de 2019. No seu caso, não tem dúvidas: a pandemia virou a sua vida de pernas para o ar.
"Trabalhava num grupo de restaurantes do Chiado, mas ia chegar a acordo para sair, porque tinha dois sítios em vista. Ia mudar de emprego e fiquei sem nenhum", conta ao JN, acrescentando que também o marido, que era vigilante no Estádio da Luz, ficou desempregado no final do ano passado.
A vida do casal complicou-se. "Tem sido uma luta diária para sobreviver, porque agora a única receita fixa garantida que temos é o subsídio de desemprego do meu marido, porque eu, como estava convencida que ia continuar a trabalhar num dos outros restaurantes, não pedi o meu. Felizmente, temos o apoio da família", revela.
Mudança de casa adiada
No caso de Joana, a razão para o súbito desemprego é demasiado óbvia: a pandemia. "Antes, não faltavam clientes. O Chiado era uma zona concorrida, fervilhava de turistas". A diferença sentiu-a logo em fevereiro, ainda antes do estado de emergência: "Os estrangeiros eram cada vez menos, percebi ia ser muito difícil". E foi. "Ao todo, no grupo em que trabalhava, éramos 250 funcionários, agora restam 60 e já fecharam alguns restaurantes", sublinha.
A crise, que bateu forte no turismo e na restauração, deixou-a numa situação completamente inédita. Até ao desemprego, conta que "dava para viver sem grandes preocupações". Com a volte-face na sua vida, alguns projetos tiveram de ser adiados. "Moramos com o meu pai, mas estávamos a juntar dinheiro para arranjar uma casa para nós, para podermos ser independentes. Agora, tudo ficou adiado", observa.
Procurar emprego tem sido a sua rotina. "Mas não está fácil", diz. "Mandei currículos para todos os supermercados, mas nunca me selecionaram. Mas ainda tenho esperança que me chamem dos tais dois sítios que tinha em vista. Só é preciso que a pandemia abrande, conclui.
Viver apenas do que dava o gado passou a ser impossível
Guarda Raquel Oliveira era pastora, mas a pandemia levou-a a trabalhar numa fábrica.>
Raquel Oliv
eira, de 29 anos, vive o provérbio segundo o qual "Deus escreve direito por linhas tortas". Da Figueira da Foz, "a menina do mar" vive na serra há mais de uma década com o marido e um único filho de 7 anos e, ao contrário de muita gente que perdeu o emprego, conseguiu em março trabalho numa das poucas empresas de Fornos de Algodres, no distrito da Guarda, o concelho onde o desemprego registou a maior diminuição (de 31%) entre agosto último e igual mês do ano passado.
"Lembro-me como se fosse hoje. Entrei no dia 23, uma segunda-feira, e foi uma luz que caiu para soprar à nossa vida", disse efusiva a recém-contratada da Adilacta, a empresa que lasca queijo para a indústria alimentar, única do ramo a operar na Península Ibérica.
A mulher que nos últimos 12 anos ajudou o marido a pastorear um rebanho de 60 ovelhas viu-se forçada a procurar trabalho para ajudar a pagar as despesas da casa. " Veio a pandemia e o preço do leite baixou drasticamente, e então a vida ficou muito complicada", recordou, sem esconder que os inúmeros contágios e os dois longos meses do estado de emergência baralharam todas as contas. "Viver apenas do que dava o gado passou a ser impossível e daí que tenha decidido pedir trabalho", justificou ainda. "E estou muito contente, porque trabalho das 8.30 às 17.30 horas e ainda tenho tempo para as lides caseiras", disse, satisfeita por ter a sorte de ganhar o salário mínimo à distância de 4 ou 5 quilómetros da aldeia de Vila Franca da Serra, onde reside. "Apanho boleia com o meu marido, porque não tenho carta. Bem gostava, mas o dinheiro tem sempre para onde ir e os anos vão passando. Pode ser que seja agora", disse.
Bons ventos de Espanha
Proveniente das Astúrias, Espanha, Juan Gabriel Almasque, dono da Adilacta, decidiu há mais de vinte anos recolher o leite dos produtores do concelho de Fornos de Algodres com o intuito de o transformar em pó. Iniciou a atividade com apenas duas pessoas e hoje tem uma capacidade instalada que lhe permite recolher 150 mil litros diários para o efeito. O negócio floresceu ao ponto de exportar tudo o que produz para países europeus como Espanha, Bélgica, França e Holanda, entre outros. "De março para cá, empreguei mais sete ou oito pessoas e só não emprego mais porque já não tenho espaço", assegurou.