Empresas portuguesas pisam firme em Milão e Governo promete facilitar o caminho
Na 100.ª edição da MICAM, em Milão, 42 empresas portuguesas mostram inovação, tradição e resiliência num setor em crescimento. Sustentabilidade, internacionalização e menos burocracia no acesso a apoios marcam o caminho do calçado nacional para conquistar novos mercados.
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No pavilhão português da MICAM, em Milão, respira-se dinamismo. São 42 empresas a mostrar coleções, a testar novas soluções e a procurar reforçar relações num mercado onde cada detalhe pode decidir uma encomenda. O movimento nos corredores e a energia dos stands confirmam: o calçado português continua a ter lugar nas grandes montras internacionais.
Quase à entrada do pavilhão 2, no espaço da Ambitious, André Ribeiro, diretor de marketing, nota o ritmo desde cedo. "Estamos nas primeiras horas da feira mas já sentimos muito movimento. Aqui vêm clientes de toda a Europa e também alguns americanos. Para nós, a MICAM é fundamental, não só para conquistar novos clientes, mas também para nutrir os que já temos", explica.
A marca, que durante 15 anos se concentrou no segmento masculino, arrisca agora um passo diferente: apresenta a sua primeira coleção feminina. André descreve esse movimento como uma evolução natural: "Transpomos o nosso know-how artesanal para o feminino, mas sem perder a identidade. Trouxemos novos materiais, acabamentos e soluções técnicas." Entre os destaques, estão as solas de performance desenvolvidas em parceria com a Michelin, modelos ultraleves e propostas que refletem a aposta em sustentabilidade, com materiais reciclados e vegan.
Um pouco mais adiante, no espaço da Lemon Jelly, Catarina Véstia sublinha a capacidade de adaptação como chave para resistir num setor tão exposto às oscilações da economia global. "Sempre que há crises, o setor da moda sente primeiro o impacto. As pessoas cortam nos bens não essenciais. Mas temos de continuar a inovar e a olhar para fora." A marca exporta cerca de 90% da produção, sobretudo para a Europa e para a América do Norte, mas a Ásia começa a ganhar peso.
Mais do que números, a Lemon Jelly apresenta uma visão assente na sustentabilidade. Desde a escolha dos materiais até ao processo produtivo, tudo está alinhado com um compromisso que a marca faz questão de transmitir: "Queremos mostrar que nem todos os plásticos são maus. É possível fazer algo bom, diferente e que dure, mesmo com materiais que muitos consideram pouco nobres", diz Catarina. Para a diretora de vendas, o futuro da indústria depende também de educar e formar novas gerações, para que a tradição industrial portuguesa não se perca.
Relações que valem mais do que vitrinas
Em frente, no stand da Fly London, o ambiente é de confiança. É lá que Tiago Brandão Rodrigues, diretor-geral do grupo Kyaia, sublinha a importância da presença portuguesa em feiras internacionais. "Estar aqui é essencial para criar confiança. As feiras são muito mais do que um escaparate, são pontos de encontro onde se constroem relações. As pessoas gostam de fazer negócios com quem reconhecem e confiam", diz o ex-ministro da Educação .
O grupo Kyaia, que tem no portefólio marcas como Fly London e As Portuguesas, apresenta agora também a Fred & Frederico, uma aposta que alia design contemporâneo e tradição. Tiago Brandão Rodrigues fala de inovação, mas sempre com uma ideia em mente: a componente humana é insubstituível. "Podemos apostar em digitalização, inteligência artificial ou novas soluções técnicas, mas, no fim, as pessoas são o centro da indústria. Sem elas, não há calçado português", sublinha, Sustentabilidade e internacionalização completam a estratégia, com um olhar atento a mercados emergentes, sobretudo na Ásia, sem descurar os clientes europeus de longa data.
Já a Joia Calçado regressa à MICAM com vontade de mostrar versatilidade. Ana Lima, diretora comercial, na qualidade de administradora, explica ao JN que o foco é no private label: "Queremos mostrar às marcas internacionais tudo o que conseguimos fazer: Strobel, montados, Stitch Blake, sandálias, homem, senhora, barefoot. É um portefólio vasto, que nos dá capacidade de responder a diferentes necessidades".
O compromisso ambiental está igualmente presente, seja na instalação de painéis solares, na gestão de resíduos ou na escolha de fornecedores locais. Mas a sustentabilidade não é incompatível com a tradição: a Joia continua a trabalhar com couro e solas convencionais sempre que faz sentido. França, Dinamarca, Holanda e Inglaterra continuam a ser os principais mercados da empresa, ainda que haja espaço para crescer além da Europa.
Dados confirmam resiliência da indústria
A presença portuguesa na MICAM é acompanhada pelo Governo, que promete mais rapidez e menos burocracia no acesso aos apoios. "Confiamos nas empresas. Vamos desburocratizar e depois fiscalizamos. O mercado é muito dinâmico e não pode esperar pela máquina do Estado", garante o secretário de Estado da Economia, João Rui Ferreira.
Os dados reforçam esta confiança. No primeiro semestre de 2025, as exportações de calçado português crescem 3,7%, atingindo 843 milhões de euros. São 36 milhões de pares vendidos entre janeiro e junho, mais 5,4% do que no período homólogo. Em 2024, o setor exportou 68 milhões de pares, num total de 1.724 milhões de euros, com destino a mais de 170 países. O Plano Estratégico prevê ainda um investimento de 600 milhões de euros até 2030, sinal de ambição e visão de futuro.
Na feira de Milão, essa ambição sente-se a cada passo. O calçado português afirma-se como produto de qualidade, que alia tradição e inovação, mas também como símbolo de resiliência. Seja através de solas desenvolvidas em parceria com a Michelin, de plásticos transformados em design sustentável, ou de coleções que cruzam modernidade e artesanato, Portugal mostra ao mundo que está preparado para andar à frente.