Luís Miguel Ribeiro espera que o investimento público feito com a "bazuca" privilegie as empresas nacionais.
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Descentralizar é passar competências do setor público para o privado e não do Estado central para o local, diz Luís Miguel Ribeiro, presidente da Associação Empresarial de Portugal, que hoje faz 172 anos. Capitalizar as empresas deve ser a prioridade do Governo, ao qual dá uma nota de "suficiente".
Ao JN, o primeiro-ministro mostrou-se otimista quanto ao futuro da economia. As empresas têm razões para otimismo?
Faz sentido ser otimista, mas com consciência da realidade. A destruição de riqueza em 2020 ultrapassou os 15 mil milhões de euros. É mais do que o valor da chamada bazuca! Mas, nos últimos anos, as empresas mostraram que são capazes de ajudar o país a recuperar. Temos recursos, um país melhor preparado do que na última crise, mas não estamos a salvo.
Se escolhesse uma política pública prioritária para apoiar as empresas, qual seria?
A prioridade absoluta é levar dinheiro às empresas. Mais de 96% são micro, pequenas e médias empresas e o rácio de endividamento no PIB é tanto maior quanto menor são as empresas. A Banca não tem instrumentos adequados às necessidades das empresas e não quer (ou não pode) correr riscos.
É suposto ser esse o papel do Banco de Fomento. Tem indicação de que agora vai avançar?
Já devia estar em pleno, não está! Acredito que desta vez vá mesmo iniciar a atividade.
A descapitalização é estrutural. Há necessidade de mudar a mentalidade dos empresários, para que reinvistam os lucros?
Há. Todos nós temos que fazer um percurso de adaptação e evolução face aos desafios e os empresários também. Mas é mais fácil de dizer do que de fazer. Para crescermos 14% na intensidade exportadora, como nos últimos anos, foi preciso um investimento muito grande. Quando se investe, não se pode melhorar a estrutura de capitais próprios. E isso deixou muitas empresas em grandes dificuldades: estavam a investir contando com um mercado em expansão.
Como vê a descentralização para os municípios?
Isso não é descentralizar. Descentralizar é passar do setor público para o setor privado, que faça mais, melhor. [O Governo] passou do setor público central para o local serviços para os quais não tem competência, sensibilidade e não está preparado. Há serviços que devem estar nos privados.
Como por exemplo?
A gestão de projetos para financiar a atividade empresarial, a cargo do IAPMEI ou das Comunidades Intermunicipais (CIM).
As associações deviam gerir fundos de apoio às empresas?
Tal como a AEP faz há muitos anos no Formação-Ação. Os exemplos não deixam margem para dúvida de que esse é o caminho que deve ser feito. Porque é que colocamos dinheiro em instituições que não têm o know-how, a experiência, a ligação com os destinatários que têm as associações? Se ajudar nos custos de contexto, criar boas condições para as empresas, processos de licenciamento céleres - aí sim cumpre a sua missão. O Estado não deve ter ação direta sobre a formação e qualificação dos recursos humanos, têm que ser os empresários: 50% das pessoas que trabalham na indústria transformadora e dos empresários têm o 9.º ano. Há um longo caminho a fazer.
Tem indicações sobre o funcionamento do Portugal 2030?
Dizem-nos que as associações empresariais terão um papel relevante, mas aguardamos para ver. O que temos assistido nos últimos anos não nos deixa confortáveis.
No Portugal 2020, a execução do Compete é de 61%. O que está a ser feito para levar esse dinheiro à economia?
Os programas comunitários têm um erro de base: os apoios devem estar abertos em contínuo, a empresa tem que investir quando surge a oportunidade! Os projetos demoram muito tempo a ser aprovados e, quando o são, as empresas já encontraram alternativa. E a verba fica comprometida, mas não vai ser utilizada! É preciso dar um timing para que a empresa diga se vai concretizar e de quanto tempo precisa ou liberta-se o dinheiro e abre-se novo concurso. A operação limpeza já devia estar feita! Do que estão à espera?
Já disse que o Governo deveria contratar mais empresas portuguesas, no investimento a fazer com a "bazuca". Tem nota de que seja essa a intenção?
Temos de criar requisitos que valorizem as empresas nacionais, em detrimento só do fator preço, que faz com que, no final, a obra acabe por ficar mais cara. A concorrência e as regras europeias têm que ser respeitadas, mas podemos usar requisitos como certificações ou o cumprimento de regras ambientais. Já nos foi transmitido que [o Governo] fará tudo o que puder. Veremos se é só uma boa intenção ou se é para concretizar.
No global, que nota dá à atuação do Governo na pandemia?
As medidas foram quase todas no sentido certo, mas o impacto não foi o que podia ter sido pela demora na implementação. Devia ter havido um esforço maior com verbas do Orçamento do Estado e reduzido a carga fiscal - em vez disso, tivemos a maior carga fiscal de sempre! A avaliação é positiva, mas podia ser muito melhor.
O Governo respondeu ao programa Reindustrializar, apresentado pela AEP?
Ainda não. O Governo diz que a reindustrialização é uma aposta e que muitas das medidas são para implementar. De que forma, com que recursos, timing e participação da AEP, não sabemos. Os 10 mil milhões mostram a ambição necessária para reindustrializar, para igualar os países do Norte da Europa. Por cada emprego na indústria, potencia-se a criação de três empregos.
A AEP passou por um processo de reestruturação duro. Qual é, hoje, a sua estrutura?
Temos uma situação financeira sólida. Em 2020, a Câmara de Comércio e Indústria teve um resultado positivo, mas o consolidado foi negativo porque boa parte da Exponor esteve parada. Apesar disso, temos uma autonomia financeira de quase 70%.
AEP contrata para a economia circular e o digital
Quantas pessoas trabalham agora na AEP?
O grupo tem 130 pessoas e está a contratar para as áreas da economia circular (como engenharia ambiental), do digital e da competitividade. A qualidade dos recursos humanos da AEP permitiu-lhe, num ano como 2020, fazer novos projetos.
Que projetos são esses?
Estamos a repensar toda a área de formação, vamos na segunda edição do Novo Rumo a Norte, queremos dinamizar um "cluster" das indústrias criativas e temos outros projetos em fase de conceção.
O problema do Norte
Norte preparado
Face a outras regiões, o Norte está "sem dúvida" melhor preparado para o futuro, diz. "Tem ensino superior, centros tecnológicos, a indústria mais forte e consistente, aproximação a entidades públicas..."
Decisão na capital
Entre essas entidades públicas não está a AICEP ou o IAPMEI. "Estão sedeados no Porto, mas têm toda a estrutura em Lisboa". É esse, diz, "o principal problema do Norte: os centros de decisão continuam na capital".