Trabalhadores recebem ajudas para fazer face ao aumento de preços, mas pagamentos estão sujeitos a IRS e a contribuições para a Segurança Social.
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Desde que constem do recibo de vencimento, os apoios extraordinários pagos por empresas aos funcionários, sejam auxílios sociais ou para mitigar o impacto da inflação, são taxados em sede de IRS e sujeitos a contribuições para a Segurança Social. Ou seja, o Estado ganha com esses pagamentos adicionais que as empresas não podem deduzir em sede de IRC e os trabalhadores acabam por só receber parte, sobretudo ao passar o escalão de IRS.
A Associação Portuguesa de Bancos, no parecer ao Orçamento do Estado para 2023, pede ao Governo que deixe de taxar os apoios sociais dados aos colaboradores, como bolsas ou subsídios para suportar despesas de saúde. E entende que essas ajudas devem passar a ser dedutíveis no IRC.
Já a Prodouro - Associação de Viticultores Profissionais do Douro enviou, no início do mês, uma proposta ao Governo, solicitando a mesma isenção aplicada aos 125 euros concedidos em outubro pelo Estado, posição partilhada pela Associação Empresarial de Portugal (AEP). O gabinete do primeiro-ministro "está a analisar".
Há empresas que pagam subsídios sociais há anos, mas a subida da taxa de inflação para o nível mais alto dos últimos 30 anos (10,1% em outubro, aferiu o INE) fez aumentar o anúncio de apoios. Os exemplos são muitos e diversificados.
"Uma questão de justiça"
Nem todos são taxados, sublinha a AEP: cabazes ou cartões de oferta em compras, pagamento de passes de transporte, subsídio de alimentação no valor máximo permitido por lei são alguns dos apoios que escapam à tributação. Já os apoios em dinheiro, que surjam nos recibos e aumentem a remuneração mensal - como os anunciados pela Caixa Geral de Depósitos ou IKEA - serão taxados e não chegarão integralmente aos trabalhadores. O Estado "come" parte dessa ajuda extra.
A AEP, que subscreveu a proposta da Prodouro, defende o fim dessa tributação. "É uma questão de elementar justiça", frisa Luís Miguel Ribeiro ao JN. "A preocupação é generalizada. As empresas podem não conseguir dar tudo o que gostariam ou que as pessoas precisam, mas também estão a sofrer com os aumentos de energia, transportes ou matérias-primas que não previam. É preciso haver equilíbrio e não arriscar o futuro", defende o presidente da AEP.
A proposta, enviada no início do mês ao Governo, pedia a isenção de IRS e das contribuições da Segurança Social para os apoios pagos pelas empresas até 20 de dezembro, até ao limite de um salário. Ou seja, frisa Rui Soares, da Prodouro, o mesmo regime aplicado aos 125 euros pagos pelo Estado. "Podia ser o equivalente ao 15.º mês e não iria lesar os cofres do Estado, pois esta receita não estava prevista. Portanto, não seria uma quebra", sublinha Rui Soares.
Estado podia estimular
Se o Governo recusar aos privados a mesma oportunidade que criou para o Estado "será um comportamento muito ambíguo. Dois pesos e duas medidas", concretiza, admitindo que a recusa pode limitar a atribuição de apoios por parte de mais firmas. Aceitar seria "estimular as empresas a continuarem", corrobora Luís Miguel Ribeiro.
"Está em avaliação sem haver ainda posição sobre a proposta", responde o gabinete do primeiro-ministro, quando confrontado com a iniciativa das associações.
O CEO da consultora Neves de Almeida HR Consulting, especializada na gestão de recursos humanos, considera que a valorização salarial e a diversificação de apoios são "inevitáveis". As empresas, garante Pedro Rocha e Silva, são forçadas a ser criativas para reter os funcionários. A competitividade depende do bem-estar e da motivação dos trabalhadores, pelo que estes apoios têm um impacto direto nos negócios.
Saber mais
Pagos à parte?
Os apoios pagos em dinheiro não podem ser pagos à parte pelas empresas. Têm de constar da folha salarial, entrando no cálculo para efeitos de IRS e de Segurança Social.
Tributação agravada?
Como o bónus é somado ao ordenado, o trabalhador corre o risco de um agravamento na tributação de IRS, visto que pode levar a uma subida no escalão de rendimento. Nos caso dos 125 euros atribuídos pelo Estado, o Governo fez um decreto-lei em que especifica que esta ajuda é considerada uma prestação do sistema de Segurança Social e, por isso, escapa ao Fisco.
Exemplos
CGD
A Caixa Geral de Depósitos foi um dos bancos que anunciaram o pagamento de um apoio extraordinário para ajudar a mitigar a subida da inflação: 900 euros para os que ganham até 1500 euros e 600 euros para os que têm vencimentos entre os 1500 e 2700 euros.
BCP
O BCP vai dar mais 500 euros com o salário de dezembro a todos os colaboradores que não têm viatura atribuída pela empresa. Tal como a CGD, os funcionários podem pedir a antecipação do subsídio de Natal de 2023 ou o seu pagamento em duodécimos.
Airbus
A multinacional aeronáutica anunciou o pagamento de 1500 euros brutos aos funcionários na Alemanha, França, Espanha e Reino Unido. Nos restantes países, o apoio será calculado por uma percentagem da base salarial média aplicada.
IKEA
A IKEA Portugal vai pagar em dezembro um bónus equivalente a um salário e meio (150%) que resulta de uma distribuição dos resultados obtidos pela empresa este ano. O fundo social será reforçado para 10 milhões de euros. E em outubro o subsídio de alimentação passou de 4,55 para 6 euros por dia.
Mitsubishi
A fábrica Mitsubishi Fuso Truck Europe (instalada no Tramagal, Abrantes) atribuiu, em setembro, um pagamento extraordinário de 400 euros aos 500 trabalhadores.