<p>O país não parou na segunda greve geral de união sindical desde o 25 de Abril. Entre os três milhões de grevistas referidos pelos sindicatos e a escassa estatística governamental, a distância é grande e impossível de verificar. A defesa do emprego é o elo de ligação.</p>
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O dia 24 de Novembro de 2010 ficará para a história como a segunda greve geral convocada pelas duas grandes centrais sindicais (CGTP e UGT) desde a instauração do regime democrático. A guerra dos números não foi assumida pelo Governo, que se limitou a referir os 121 358 funcionários públicos da administração central que faltaram ao trabalho.
A consistência do valor de três milhões de grevistas (60% da população empregada), referidos pela CGTP e pela UGT, dificilmente resiste à realidade da observação nas grandes cidades (ver reportagens do JN mais à frente) e à objectividade dos consumos de energia eléctrica, que não mostraram qualquer alteração relativamente ao dia anterior. Ou seja, as empresas laboraram normalmente e a CIP veio logo esclarecer que o nível de adesão na indústria terá rondado os 4%.
A paralisação nos transportes terá sido o sinal mais visível e forte da adesão e a cerca de meia dúzia de incidentes (ver página 13) não prejudicou a imagem de civismo que caracterizou o protesto.
A abordagem de Helena André, ministra do Trabalho e ex-sindicalista, marcou alguma diferença, diluindo alguma crispação latente que sempre surge nestes momentos de agitação social. Se três milhões tivessem feito greve, o país teria parado. E todos pudemos observar que o país esteve a funcionar e não esteve parado", disse a ministra, acrescentando que compreende todas as greves.
Mas a greve de ontem só é compreensível como um ponto alto de contestação às políticas de austeridade (cortes nos salários, nos benefícios sociais e aumento de impostos). O facto de não ter tido um alvo concreto, como foi a paralisação de 1988, que visava travar o pacote laboral, poderá tê-la prejudicado em vários sentidos.
O comentário mais surpreendente pertenceu a Helena André quando referiu o objectivo comum do Governo e dos sindicatos: "defender o emprego", sem dúvida com soluções diversas. Mas o consenso implícito entre Governo e sindicatos não diz respeito só ao emprego. Ambos têm a noção de que o país está de mãos atadas porque os compromissos com Bruxelas, ao nível das contas públicas, são sérios e o seu não cumprimento acarreta consequências graves, desde logo no agravamento dos juros da dívida pública. Nem Carvalho da Silva, líder da CGTP, foi capaz de ir demasiado longe nas reivindicações.
"Os meios de contestação ao Governo já não passam pelas manifestações e expressões de tipo antigo. Há quem não tenha compreendido o presente. Em França, houve recentemente uma manifestação de 3,5 milhões de cidadãos e nada mudou. Isto não seria possível há 10 anos. O Governo seria obrigado a recuar", afirma o filósofo José Gil.
O maior exportador nacional, a Autoeuropa, parou por completo - menos riqueza produzida -, mas o Instituto de Gestão de Crédito Público teve uma adesão de apenas 1%, metáfora perfeita da actual encruzilhada. Podemos parar um dia, mas não há folga para o défice e para a dívida pública da República portuguesa.