Gastos com cartão bancário caíram 22% em março e quantidade vendida entre 12% e 21%.
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Os gastos dos portugueses nas gasolineiras, pagos com cartão bancário, baixaram 22% em março relativamente a igual mês de 2019, segundo dados da SIBS. Estas despesas incluem outras compras na loja do posto, para além do combustível. A Entidade Nacional para o Setor Energético dá conta de quebras homólogas nos litros vendidos de 21% na gasolina e de 12% no gasóleo. Por outro lado, há revendedores a reportar perdas de faturação na ordem dos 70%, consequência da baixa de preços e, sobretudo, pelo facto de terem menos clientes.
"As medidas em vigor, pelas restrições de mobilidade que implicam, têm necessariamente um forte impacto no consumo e venda dos combustíveis, entre outros produtos, originando uma redução drástica do volume de faturação. Diariamente, os nossos associados têm-nos feito chegar relatos de que as suas quebras de faturação estão a atingir percentagens que, nalguns casos, chegam aos 70%", refere Francisco Albuquerque, presidente da Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis (Anarec).
"Suponhamos uma estação de serviço que tenha dois, três ou quatro empregados. Trabalham por turnos. É preciso pagar salários, as contas da eletricidade, da água, IMI e outras despesas que não dependem do cliente. Se vender mais, os valores da margem bruta (despesas mais o lucro necessário para manter a porta aberta) diluem-se por mais litros de combustível faturado. Quanto maior o fluxo do produto, menos pesam os custos fixos", explica António Comprido, secretário-geral da Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro).
A crise é democrática, afeta grandes e pequenos. A refinaria de Matosinhos da Galp, por exemplo, parou de produzir, recentemente, gasóleo e gasolina, embora se mantenha em atividade para outros fins. "Nas últimas semanas, assistimos a diminuições homólogas de vendas superiores a 50%", assegurou, ao JN, fonte oficial da petrolífera.
Passa-se uma manhã inteira só a abastecer meia dúzia de veículos
"As vendas caíram 50% e os apoios são zero! Sobra-me pessoal. Agora, estão a ir de férias a ver se conseguimos gerir sem lay-off", diz José Alberto Eiras, olhando os dois postos de abastecimento vazios, no Rio Alto, na Estela, Póvoa de Varzim. Ali, à face da outrora muito movimentada EN13, vê-se agora "um ou outro carro". Ele que vendia 200 mil litros de combustível por mês, em abril "talvez não chegue aos 100 mil". Foi obrigado a fechar o café. Já no restaurante, readaptou-se e leva, agora, comida a "casa".
"Tínhamos cinco a seis autocarros por dia a abastecer. Agora não há nenhum. Os camiões das empresas são muito menos. O pessoal de passeio passou a zero e o turismo está outra desgraça!", explica.
É distribuidor da Galp. Tem dois postos - um de cada lado da EN13 -, 11 funcionários e, numa situação normal, teria um dia a dia de "corre-corre", mas tudo mudou com a pandemia. Os transportes públicos - que, por ali, vivem muito à custa das escolas - quase pararam, muitas empresas fecharam as portas, na Páscoa faltaram os emigrantes e, na estrada, "não se vê quase ninguém". "Vem um ou outro ao multibanco e, às vezes, passa-se uma manhã inteira só a abastecer meia dúzia de veículos", garante.
Estado com maior fatia
"As pessoas pensam que nós, distribuidores, ganhamos fortunas com os combustíveis. Ganho mais a vender uma garrafa de água de 60 cêntimos do que com um cliente que meta 20 euros de gasolina. São, em média, dois cêntimos por litros, portanto, em 20 euros são 30 cêntimos", continua a contar José Alberto.
"A "fatia de leão" vai para o Estado. A carga fiscal são 60% no gasóleo e passa dos 70% na gasolina, independentemente do preço", explica o distribuidor, que é também membro do Conselho Fiscal da Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis.
Como revendedor, José Alberto tem o combustível "à consignação". Só paga o que vende, mas a comissão também só a recebe se vender. Por estes dias, o que ganha "não chega para salários". Do Estado, só vê abrir linhas de crédito "para pagar mais tarde. Como, se não faturamos?".
No mesmo edifício onde o posto funciona nas mãos da mesma família há 55 anos, o filho de José Alberto gere o restaurante Villa Mendo. Tentou readaptar-se: "Têm takeaway e também levam comida a casa das pessoas ou às empresas. Têm, por exemplo, muitos clientes no centro logístico da Mercadona e na Energie (empresa de painéis solares), no Parque Industrial de Laundos, a quem levam, agora, o almoço à empresa", explica, acrescentando que, por ali, as entregas se fazem, todos os dias, das 13 às 14 horas.
Os novos tempos obrigam à "criatividade" e o português é, por definição, "resiliente", mas José Alberto teme que a crise se prolongue. Por agora, vai tentando aguentar. Texto: Ana Trocado Marques