Primeiro foi o descalabro económico de 2009, depois a troika e, por fim, a pandemia de covid-19. Os estudos foram afetados e o trabalho precário foi o destino de muitos. Os seus salários vão manter-se baixos.
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Aos 32 anos, é a terceira vez que Felícia Teixeira se depara com uma crise. A primeira, em 2009, quando estava a meio do curso universitário. Terminou a licenciatura, em 2011, quando a troika chegou a Portugal. Este ano, no início da pandemia, ficou desempregada. Muitos jovens, na casa dos 30 anos, têm-se deparado com trabalhos a prazo que não foram renovados e com trabalhos precários dos quais foram dispensados. Os mais novos, com 20 e poucos, têm outro problema: dificuldades em ingressar no mercado de trabalho.
Para quem tem agora 30 e poucos anos, a crise pandémica é a terceira da sua vida adulta. "Tivemos a crise económica, de 2009, a da troika, em 2012, e agora esta. Podemos considerar que em cerca de 12 anos tivemos três crises", contextualiza João Cerejeira, professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho.
Remunerações
Apesar de ainda não haver uma avaliação profunda dos impactos da covid-19 na economia, há indicadores gerais que sobressaem em qualquer período de crise. "Um dos primeiros sintomas é a descida das contratações. Depois, quem está empregado com contratos de trabalho a termo - que é o caso de muitos jovens - sofre um impacto negativo por extinção do posto de trabalho. São os primeiros a ser dispensados", explica João Cerejeira. Além disso, "a tendência é a contratação com salários mais baixos".
Segundo os especialistas ouvidos pelo JN, é expectável que os salários fiquem nivelados por baixo durante alguns anos.
Ainda no rescaldo da última crise, só se registou uma recuperação salarial nos últimos dois anos, desde que o desemprego começou a diminuir. A partir de agora, perspetivavam-se anos de progresso para os jovens trabalhadores. Só que "esse ritmo foi interrompido", sublinha o economista. "Falo de jovens que ingressaram no mercado de trabalho, por exemplo, em 2011 ou 2012, e que já foram penalizados porque não chegaram aos níveis salariais de outros colegas. Isso em algumas áreas, agora, pode demorar alguns anos", refere.
Apelos à "bazuca"
Segundo dados divulgados, em agosto, pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), mais de 70% dos jovens estudantes ou trabalhadores estudantes foram afetados negativamente pela pandemia. Mas como a covid-19 ainda é uma realidade, as informações concretas sobre os efeitos do virus na economia, em cada país, são praticamente inexistentes.
António Fontainhas Fernandes, reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, reitera a falta de "indicadores reais", mas perspetiva que vai haver um grupo de "desempregados covid".
"O mais importante é que não se transformem em desempregados de longa duração", alerta. Por isso, uma das soluções, no seu entender, é "apostar na formação para esses desempregados". "Tem que haver cooperação entre os eixos de governação, as empresas e as universidades, para se aumentar a formação ao longo da vida", adianta. Para isso, há um auxílio que se espera que entre na equação: "A famosa bazuca europeia".
Apesar da falta de dados sobre o impacto da pandemia no mercado de trabalho, há, no entanto, factos que reúnem consenso entre especialistas. É o caso das alterações ao nível da digitalização, que vai obrigar a dotar os trabalhadores de maiores competência nessa área. "É que muitas empresas afirmam que o trabalho remoto veio para ficar", revela Marlene Amorim, professora da Universidade de Aveiro e coordenadora do Observatório do Emprego.