Presidente da AEP critica desenho e ritmo da execução do PRR. A atual perda e poder de compra é irrecuperável.
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As empresas precisam de um Estado mais eficiente e menos penalizador ao nível fiscal. As famílias e as empresas vivem um momento difícil, resultado da combinação de uma inflação elevada com altas taxas de juro. A perda de poder de compra é irreversível. Luís Miguel Ribeiro, presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP) desde julho de 2020, garante que os investidores querem apenas estabilidade e previsibilidade das políticas, seja qual for o Governo.
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Como avalia o grau de execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)? Estamos a ir devagar demais?
O ponto de vista dos empresários é que o grau de execução corresponde, por um lado, a uma demora e a uma lentidão e, por outro, a uma má opção de raiz sobre o desenho do PRR. A opção foi a de alocar cerca de dois terços dos recursos para o setor público e um terço para os privados. E o que se nota é que a execução ao nível dos privados está mais baixa nos pagamentos e nas aprovações.
As chamadas de atenção por parte do presidente da República sobre o PRR são justificadas?
As chamadas de atenção feitas pelo presidente da República são justificadas, úteis e necessárias. E espero que continuem a existir, para que se dê atenção à execução do PRR, bem como à conclusão do Portugal 2020 e ao arranque do Portugal 2030.
Como avalia o recente reforço e a reprogramação do PRR?
O reforço e a reprogramação são positivos, porque é um acréscimo de recursos, mas o pecado original mantém-se. Ou seja, continuamos a apostar naquilo que é o financiamento ao investimento público e a deixar o setor privado em segundo plano. Veja-se o exemplo das agências mobilizadoras, em que há um reforço, porque houve muito mais candidaturas, algumas das quais atingem valores muito maiores do que aqueles que estavam inicialmente previstos e alocados. Aliás, eu diria que as agências mobilizadoras são um excelente exemplo daquilo que o país precisa fazer em termos de consórcios, do sistema científico-tecnológico, das instituições universitárias, dos setores público e privado. O reforço do PRR vem por financiamento e não por subvenções. Isso é negativo.
Considera que grande parte da inflação é temporária?
Não, a inflação é um fenómeno que veio para se manter durante um período de tempo mais ou menos longo. Quando se divulga que a inflação está a abrandar, há quem pense que os preços estão a diminuir. Não, os preços estão a aumentar, embora a um ritmo menor. A perda de compra mantém-se, se o salário for o mesmo. A par disto, com o aumento das taxas de juro, temos aqui uma situação em que as famílias terão momentos muito difíceis e desafiantes. Por isso é que nós defendemos que, para além dos desafios que o Governo possa fazer de aumentar salários nas empresas, é importante que cumpra a sua parte, reduzindo os impostos.
O Programa de Estabilidade até 2027 vai, de certa forma, ao encontro de algumas das suas sugestões. Qual é a sua avaliação?
O Programa de Estabilidade mostra que continua a haver uma falta de ambição e de capacidade do país em crescer ao ritmo adequado. Na melhor das probabilidades, 1,8% [em 2023] de crescimento é muito pouco. Por outro lado, demonstra que estamos a priorizar as famílias em detrimento das empresas. Embora as famílias devam ser apoiadas, sobretudo as mais carenciadas, não esquecendo a classe média que o país está a perder.
Defende o regresso às moratórias nos empréstimos?
As moratórias serão sempre uma solução temporária, que, muitas vezes, é importante que aconteça para evitar danos maiores, mas, para além dessa solução, são precisas outras. É preciso que o Banco de Fomento atue e que tenha o seu papel na capitalização das empresas. É urgente baixar a carga fiscal sobre as empresas e melhorar o funcionamento dos serviços públicos e da Justiça, diminuindo, também, a burocracia.
O Governo deveria preocupar-se mais com a diáspora do que, por exemplo, com os nómadas digitais ou com os vistos gold?
Acho que as coisas às vezes não têm de ser "ou-ou". Podem ser umas e outras. Os vistos gold tiveram o seu impacto e papel, os nómadas digitais também. Os portugueses espalhados pelo mundo são uma outra realidade que pode representar para Portugal, de facto, um acréscimo de riqueza, de investimento, de criação de postos de trabalho e de coesão territorial, porque muitos emigraram do Interior do país. Muitos deles estão dispostos a investir nos seus territórios.
A TAP transformou-se num mero conflito político?
É muito mais grave do que isso. É um consumo de recursos que foram alocados para resolver um problema de uma empresa pública. Esses recursos não chegam à economia e deixam de ser usados para melhorar e valorizar os serviços públicos. Depois da privatização, a opção do Governo foi voltar a nacionalizar. A TAP devia servir de ligação à diáspora. No Norte, uma região fortemente exportadora, a TAP devia ter um papel diferente, muito mais assertivo.
Os empresários preferem que o Governo cumpra a legislatura?
O que se espera e o que se pretende sempre é um Executivo que traga estabilidade e previsibilidade nas políticas públicas. Se este Governo corrigir o rumo, deve manter-se até o fim da legislatura. Se não houver condições para continuar, deve ser encontrada a alternativa.