Um estudo sobre o mercado de trabalho do setor do turismo, coordenado pela Universidade de Aveiro, concluiu que quase metade dos trabalhadores do setor está interessada em ter uma profissão paralela.
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Esta é uma das conclusões do inquérito a mais de mil profissionais, mas a vontade estende-se a quem é estudante de Turismo. A inflexibilidade dos horários e a difícil compatibilização entre a vida pessoal e a vida familiar são os aspetos mais negativos apontados pelos trabalhadores do setor, mas quase todos estão felizes e realizados nesta área.
Há quem diga que o turismo é a galinha dos ovos de ouro, porque, nos últimos anos, uma boa parte da recuperação da economia portuguesa a ele se deveu. Os números continuam a bater recordes e 2022 foi melhor do que 2019, que já tinha sido o melhor ano de sempre daquele setor. Mas os trabalhadores continuam a apontar-lhe muitas debilidades, ao nível laboral.
Das 1259 respostas válidas registadas pelos investigadores da Universidade de Aveiro, coordenados pelo professor catedrático Carlos Costa, um dos maiores especialistas deste setor em Portugal, há "46% que manifestam interesse em poder desempenhar outra profissão em paralelo com a do turismo". Dos restantes, 42% referem que não e 12% não têm opinião.
O estudo considera que os 46% são "muito significativos" e salienta que, quando questionados os estudantes das áreas ligadas ao turismo, esta opinião "torna-se ainda mais evidente": das 3639 respostas válidas de estudantes, 48% apoiam a possibilidade de ter dois trabalhos, sendo que apenas 31% se opõem à ideia e 21% não têm opinião.
Sazonalidade justifica
Estas vontades "estão relacionadas com a sazonalidade" do setor, adianta Carlos Costa ao JN, pois alguns trabalhadores são chamados a laborar várias horas por dia e vários dias por semana em época alta e ficam com mais tempo livre na época baixa, altura em que podiam ter um segundo emprego.
O estudo da Universidade de Aveiro vem trazer uma base empírica a perceções que a sociedade já tinha sobre o setor. Outras ideias preconcebidas acabaram desmentidas, como a suposta infelicidade dos trabalhadores. Isto porque, apesar de assinalarem como problema os baixos salários, a inflexibilidade de horários e a difícil conciliação entre a vida profissional e pessoal, 85% dos trabalhadores do setor dizem-se felizes e realizados nesta área. Consideram-na "desafiante" e permite-lhes lidar com pessoas de outras línguas e culturas. Além disso, os trabalhadores defendem que o setor é bem visto pela sociedade.
"Esse número também me surpreendeu", admite Carlos Costa, que desafia as entidades governamentais e do setor a trabalharem para "alargar a dimensão do turismo", para lá do habitual segmento do lazer e do recreio: "Deve-se estender o turismo para os restantes setores que compreendem os tempos de subsistência e existência e fazer com que o turismo interaja, lateralmente, com a restante economia", defende.
O estudo é da autoria das investigadoras Ana Malta e Mariana Martins, coordenado por Carlos Costa, com a colaboração de 15 especialistas de vários países.
Entrevista a Manuel Reis Campos, presidente da AICCOPN
A reorientação da formação profissional é um imperativo
De que forma pode a construção inverter a situação de falta de trabalhadores?
O Governo tem de tirar partido dos centros de formação de excelência, designadamente o CICCOPN e o CENFIC, de forma a desenvolver a formação nesta atividade, potenciando a captação dos jovens e oferecendo a possibilidade de reconversão dos desempregados oriundos dos setores mais afetados pela pandemia, reposicionando-os no mercado de trabalho. A reorientação da formação profissional é, como temos afirmado, um imperativo.
Quantos trabalhadores faltam na construção?
A falta de trabalhadores no setor, estimada em cerca de 80 mil, encontra-se espelhada no último inquérito à situação do setor, realizado pela AICCOPN e referente ao terceiro trimestre de 2022, no qual 82% das empresas que operam no segmento das obras privadas e 72% das empresas do segmento das obras públicas referem a falta de mão de obra especializada como um dos principais constrangimentos à sua atividade.
E o setor também está a fazer esse caminho?
As empresas da fileira da construção e imobiliário investiram em novas tecnologias e em recursos humanos cada vez mais especializados, modernizaram-se, diversificaram-se e conquistaram um prestígio que é reconhecido à escala global. A "revolução" tecnológica que está em curso no setor é, também, um fator de atratividade para os jovens e para a captação de profissionais qualificados, pelo que é necessário dotar as empresas de instrumentos que lhes permitam continuar este caminho de desenvolvimento e evolução.
Que soluções mais imediatas têm sido encontradas para suprir a carência?
Uma das soluções encontradas pelas empresas é o recurso à mão de obra de outros países, em particular naqueles em que as empresas do setor da construção desenvolvem a sua atividade internacional, destacando-se aqui os países pertencentes à CPLP.
A simplificação dos vistos de trabalho ajudou?
Não obstante as recentes alterações legislativas no sentido de simplificação administrativa do processo de obtenção de vistos de trabalho, é necessário implementar, efetivamente, no terreno estas novas regras com celeridade e eficácia, de modo a permitir às empresas uma gestão mais dinâmica e eficiente dos seus recursos humanos, e em especial dos trabalhadores que integram os seus quadros nos mercados externos.
No mercado interno, há regiões mais carentes?
Pela natureza das empreitadas de construção, as empresas do setor realizam obras por todo o país e os seus trabalhadores estão habituados às deslocações em todo o território nacional, pelo que, nesta atividade, não se pode considerar que há regiões mais carenciadas de mão de obra do que outras, sendo este problema sentido de forma transversal a todo o país.