Famílias viram-se obrigadas, no ano passado, a reduzir as quantidades de comida adquirida. No entanto, a fatura a pagar explodiu e chegou a um valor inédito, pelo menos, nos últimos 27 anos.
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As famílias residentes em Portugal foram obrigadas a reduzir de forma significativa (maior corte de que há registo) o volume de alimentos comprados em 2022, mas, no entanto, o valor da fatura dos lares com comida subiu a um ritmo recorde puxado pela inflação galopante, indicou na terça-feira o Instituto Nacional de Estatística (INE).
Ou seja, há sinais inequívocos de que muitas famílias - sobretudo as mais pobres, com menos rendimento disponível, e as mais vulneráveis à subida das taxas de juro porque têm dívidas bancárias a aumentar com o avanço das taxas de juro - estão mesmo a cortar na alimentação para conseguir poupar mais um pouco.
É isso que indica a quebra no volume. Segundo o INE, se não houvesse inflação, a despesa com alimentos teria caído na mesma. A quebra real (descontando a inflação) foi de 2,3%, a maior das séries oficiais do instituto, que remontam a 1995. É o equivalente a menos 573 milhões de euros em comida face a 2021.
É preciso recuar aos anos do programa de ajustamento do Governo PSD-CDS e da troika para encontrar um encolhimento nos gastos reais com alimentos. Mas nem nessa altura foi tão grande: caíram 0,7%, em 2011, e 1,3%, em 2012, mostra o INE.
Contas disparam
Já em valor, a fatura disparou de forma exorbitante, e com maior expressão entre o 2.º e o 4.º trimestre do ano passado. A guerra da Rússia contra a Ucrânia começou a 24 de fevereiro de 2022.
Assim, o valor despendido pelas famílias aumentou uns expressivos 9,7% (a preços correntes, já com o efeito da inflação), atingindo o maior valor destas séries: quase 29 mil milhões de euros em 2022, refere o INE.
Já a economia como um todo cresceu muito. "No conjunto do ano 2022, o PIB (Produto Interno Bruto) registou um crescimento de 6,7% em volume [em termos reais, descontando a inflação], o mais elevado desde 1987, após o aumento de 5,5% em 2021 que se seguiu à diminuição histórica de 8,3% em 2020, na sequência dos efeitos adversos da pandemia na atividade económica", refere o INE.
Em valor (a preços correntes, com inflação), a economia portuguesa aumentou de tamanho e também ao ritmo mais elevado desde 1996, pelo menos (mais 11,5%), uma expansão explicada em larga medida pela subida dos preços, que permitiu aumentar temporariamente a faturação das empresas, o valor dos bens e dos serviços transacionados e ainda os impostos e contribuições incorporados no valor acrescentado interno.
Então, o consumo privado total até avançou. O que aconteceu? Enquanto a despesa real em bens alimentar caiu, os gastos das famílias com bens duradouros (tendencialmente mais comprados pelos grupos com rendimentos superiores) disparou quase 12%. A despesa real com os restantes bens correntes (não alimentares) e serviços também andou bem, subiu 7,4% em 2022, diz o INE.
Estes comportamentos ao nível do consumo serviram para compensar o retrocesso no segmento alimentar, colocando o consumo privado a crescer 5% no ano passado.
Ontem, o INE também atualizou a inflação. Continua acima dos 8%, mas dá sinais de abrandamento. Se, por um lado, a taxa de variação homóloga do índice relativo aos produtos energéticos caiu para 2% em fevereiro, já o custo dos alimentos não dá sinais de tréguas: "O índice referente aos produtos alimentares não transformados terá acelerado para 20,1%".