Autoridade da Mobilidade e dos Transportes faz retrato arrasador do setor e propõe mudanças à lei. Quer agravar multas e tornar obrigatório o envio do motorista que está mais perto do cliente.
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Ninguém controla o número de horas que um motorista TVDE (transporte de passageiros em veículo descaracterizados) passa ao volante e boa parte nem sequer tem contrato de trabalho. A fiscalização do setor é "muito reduzida", apesar de a lei atribuir essa responsabilidade a oito entidades, e a qualidade do serviço, prestado ao cliente, está a degradar-se com a introdução das tarifas económicas pelos operadores de plataformas eletrónicas, como Uber e Bolt. O diagnóstico da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) é arrasador.
O regime dos TVDE, em vigor desde 2018, precisa de ser revisto e a AMT e o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), propõem várias alterações à lei (ler ficha). Destacam-se o agravamento do valor das multas, que hoje vai dos dois mil aos 15 mil euros; a maior transparência das plataformas eletrónicas, tendo de permitir o acesso aos tempos de trabalho dos condutores e fornecer números de viagens e de passageiros; e, ainda, a obrigatoriedade de enviar o motorista que está mais próximo do cliente, em vez de mandar condutores a vários quilómetros de distância só porque aceitam fazer a viagem por um valor reduzido.
No entanto, a AMT alerta que, "a manter-se a reduzida fiscalização da atividade", as alterações à lei "poderão não ter qualquer impacto significativo na melhoria do setor".
Bloqueio sem defesa
A política das viagens "a preços cada vez mais baixos", imposta unilateralmente pelos operadores de plataformas eletrónicas aos motoristas, está a levar a uma degradação do serviço, avisa a autoridade, no parecer sobre a avaliação do regime jurídico de TVDE.
Isto, porque há motoristas a recusar corridas pela tarifa económica (por não ser compensadora), levando a que o serviço seja atribuído a condutores "cada vez mais distantes dos utilizadores". Essa circunstância está a gerar a "degradação da qualidade do serviço, cancelamentos injustificados e penalização dos clientes".
Por outro lado, ao recusarem viagens, os motoristas correm o risco de "bloqueio temporário ou definitivo" do acesso à plataforma digital, ficando impedidos de trabalhar. Os operadores das plataformas avaliam a "performance" dos condutores, o que inclui o número de "viagens realizadas/canceladas" e o grau de satisfação dos clientes (embora essa classificação seja proibida em Portugal). A suspensão de contas, sem oportunidade de defesa, está entre as 62 queixas que chegaram à AMT entre abril de 2020 e maio de 2021. Um número "reduzido de reclamações" de motoristas e de operadores de TVDE por "receio de retaliações" dos operadores das plataformas digitais, reconhece no parecer.
Acresce que muitos condutores não têm contratos de trabalho nem remuneração definida e recebem parte da receita das viagens feitas. Ora, uma das propostas da AMT é de que todos os motoristas passem a ter contrato de trabalho com os operadores TVDE, ou seja, as empresas prestam serviço para as plataformas. E essas empresas terão de suportar os encargos sociais.
"Uber files" denunciaram lóbi junto do poder Alterações propostas à lei
O caso "Uber Files" tem dado que falar e resulta de uma investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas, que, com base em mais de 124 mil documentos, denunciou a existência de uma teia de lóbi junto de altos governantes mundiais para implementar o seu negócio de transporte de passageiros. Nessa campanha de influência, terão sido envolvidos governantes, como o atual presidente francês, Emmanuel Macron, enquanto ministro da Economia, e o chanceler alemão Olaf Scholz, à data presidente da Câmara de Hamburgo.
Alterações propostas à lei
AMT
Aumentar as multas
A Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) propõe o reforço do montante das coimas aos motoristas, aos operadores de TVDE e aos operadores de plataformas. Também quer passar a ser responsável pelos processos de contraordenação relacionados com tarifas e direitos dos clientes.
Contratos para todos
O regulador dá conta de que existem motoristas a trabalhar com contratos de aluguer das viaturas e de prestação de serviços. Ora, entende que deve ser estabelecido um período transitório, para que todos os motoristas passem a ter um contrato de trabalho com os operadores de TVDE.
Exames para certificar
Propõe-se que os motoristas passem a fazer formação e exame semelhante aos taxistas para serem certificados. Os operadores de TVDE, enquanto empregadores de condutores, não podem ser entidades certificadoras, como sucede hoje.
Horas de condução
A AMT defende que os operadores de plataformas digitais sejam obrigados a fornecer os dados relativos ao tempo de trabalho dos motoristas.
Negociar tarifas
A AMT não aceita que os operadores digitais tomem decisões unilaterais de alteração de tarifário, de condições de serviço nem de bloqueio de acesso às plataformas. Assim, propõem que tenham de negociar e acordar as tarifas com os operadores de TVDE. Aos motoristas, deve ser permitido o direito à defesa, antes de decidir a suspensão do acesso à plataforma.
IMT
Dados sobre viagens
O Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) quer obrigar os operadores de plataformas a fornecerem dados sobre o número de viagens e de passageiros transportados por comunidade intermunicipal e por área metropolitana.
Fim à licença vitalícia
Como a lei não define um prazo de validade para as licenças dos operadores de plataformas digitais, o IMT sugere que seja introduzida a possibilidade de cancelar ou suspender a atividade das empresas.
Balcão em Portugal
Propõe que essas empresas internacionais passem a ter filial em Portugal e um balcão físico de atendimento aos clientes e aos parceiros.
Quotas mínimas
Defende que as frotas ao serviço das plataformas deverão ter quotas mínimas de carros para pessoas com mobilidade reduzida e de viaturas menos poluentes.
Registo de veículos
Sugere um registo de veículos TVDE para permitir uma melhor fiscalização.