Sem acesso a capital e sem apoios públicos durante o primeiro ano, cortaram custos, adaptaram-se a novos produtos e conquistaram novos clientes.
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O ano de 2020 ficou marcado pelo impacto da covid nas empresas e as startups não foram exceção: de início pararam, depois adaptaram-se, descobriram novos produtos e clientes e, nalguns casos, cresceram acima do esperado. Porém, a pandemia também adicionou riscos ao ecossistema e os especialistas alertam que, sem estímulos contínuos, Portugal não vai continuar acima da média europeia em empreendedorismo.
"Nos últimos cinco anos, houve um boom de startups em Portugal, em parte devido à captação da Websummit, mas essencialmente devido às políticas públicas e à rede de incubadoras muito bem desenvolvida. Mas ainda temos trabalho a fazer: precisamos de atrair e fixar talento, aumentar a qualificação da população portuguesa e melhorar o quadro fiscal, não só para trabalhadores, mas também para investidores", resumiu Gabriel Coimbra, diretor-geral da IDC em Portugal. A consultora avaliou o ecossistema em 2020 e concluiu que, com 2159 startups no final do ano (13% acima da média europeia per capita), incluindo quatro unicórnios (avaliadas em mais de mil milhões de dólares) de origem nacional, e Lisboa em 12.º no ranking dos Ecossistemas Emergentes, o país pode contar com os empreendedores para relançar a economia no pós-pandemia. Mesmo se os apoios públicos "nunca chegaram a ser operacionalizados", denunciou a diretora da Uptec.
Flexibilizar para vingar
"Os apoios não abrangiam as startups, que ficaram sem acesso a capital para se financiarem. A Portugal Ventures criou um apoio passado um ano", lamentou Maria Oliveira. As 180 startups incubadas na Uptec "reduziram custos, não renovaram contratos, redefiniram negócios" e algumas superaram expectativas. Tecnologia, Saúde, Educação e serviços digitais foram os setores mais resilientes.
Cientes de que a flexibilidade e inovação que permitiram às startups vingar e vencer apesar da pandemia, muitas das maiores empresas estão a apostar nos empreendedores para manterem o espírito de inovação e conquistarem negócios globais. É o caso da Critical Software, nascida startup em 1998 para desenvolver sistemas para a NASA, que preferiu criar uma nova empresa, com a alemã BMW, para desenvolver os sistemas do carro autónomo da marca. Recentemente, criou a Critical Ventures para apoiar o desenvolvimento de novos negócios, dentro ou fora de portas.
Outras startups portuguesas continuam por conta própria a colocar os portugueses entre os inovadores do Mundo. A Adyta conquistou recentemente um contrato para o desenvolvimento de comunicações quânticas para a Rede de Defesa Europeia, um projeto de 6,7 milhões de euros.
Sistemas críticos made in Portugal para o Mundo
Empresa de onde já nasceram muitas persiste em querer criar valor porque "faturar milhões não é tudo"
Ainda não se conheciam startups em Portugal quando nasceu a Critical Software, em Coimbra, em 1998. Hoje, a "holding" inclui várias empresas mais jovens, incluindo a "joint-venture" com a BMW (Critical TechWorks) ou a Critical Ventures, que investe em novas startups.
"Faturar milhões não é tudo", justificou Heitor Benfeito, diretor de desenvolvimento de novos negócios da Critical Ventures. "Queremos apoiar o empreendedorismo e a inovação, porque acreditamos que podemos partilhar o que aprendemos ao longo do caminho e ajudar a criar valor para todos".
Com escritórios espalhados por Porto, Lisboa, Southampton (Reino Unido), Munique (Alemanha) e Califórnia (EUA), o ADN da Critical circunda o globo diariamente nos satélites da NASA, prepara-se para percorrer estradas no BMW autónomo e está muitos outros sistemas críticos de todo o Mundo. "Sistemas críticos são todos aqueles sem os quais há perda de vidas ou de muito dinheiro", resume Heitor Benfeito, simplificando a tecnologia.
Incentivar ideias
No início, os bancos não emprestaram dinheiro à Critical Software. O risco era demasiado elevado. Os fundadores resistiram à entrada de capital estrangeiro, para manter a autonomia. Dentro do mesmo espírito, recusaram ser prestadores de serviço exclusivos para a BMW. Para desenvolverem os sistemas do veículo autónomo, criaram em 2018 a Critical TechWorks, uma "joint-venture" com a fabricante automóvel. O valor do projeto é secreto, o investimento também não é revelado, mas já emprega 1400 pessoas e, no segundo ano, faturou 57 milhões de euros.
No total, no aglomerado de empresas Critical trabalham cerca de 2500 pessoas e a faturação ascende a mais de cem milhões.
"Incentivamos a criatividade e ideias de negócio dos nossos colaboradores. Já tivemos startups a nascer dentro da empresa e temos orgulho nisso. Ao todo, já apoiámos 38 startups desde o início", explicou Benfeito, numa visita guiada pelas novas instalações no Palácio dos CTT, no Porto.
A pandemia esvaziou a maioria das salas daqueles cinco andares outrora preenchidas pelos craques da informática. O modelo híbrido preferido pelos trabalhadores levou ao desenvolvimento de um sistema que permite reservar lugares para trabalhar, individuais ou em equipa, quando é imprescindível trocar ideias. "O trabalho remoto a 100% não é bom para as equipas, por isso, devemos ficar-nos pelo meio termo", explicou o diretor.
Benfeito está preocupado com a dificuldade em recrutar, ainda que a empresa seja bem-sucedida na captação de trabalhadores de todas as geografias, do Brasil ao Irão. "Começa a ser difícil recrutar e também por isso queremos manter-nos perto das universidades e das startups", rematou.
Na luta pela cibersoberania de todos os europeus
Na linha da frente contra hackers que nos roubam informação diariamente.
Diariamente, sem que percebamos, desenrola-se uma guerra nos bastidores das comunicações online que podem pôr em risco nações inteiras, bem como a própria sociedade tal como a conhecemos. A Adyta, uma startup nascida da Universidade do Porto, em 2015, está na linha da frente de projetos fulcrais para o nosso futuro.
"Queremos assegurar a cibersoberania portuguesa e europeia, algo que neste momento está em risco, porque a maioria do que existe vai parar a servidores dos EUA ou asiáticos", aponta Carlos Carvalho, o CEO da Adyta. Um ataque a uma rede de abastecimento de energia ou a um aeroporto poderia "lançar o caos" e causar danos incalculáveis.
Para nos defender, a startup foi selecionada para integrar um projeto de 6,7 milhões de euros, com 42 meses de duração, para o desenvolvimento de um sistema futurista de comunicações seguras para a rede de defesa europeia. É tão secreto que pouco pode ser adiantado, além de saber-se que envolve "comunicações quânticas", encriptadas de tal maneira que nem o computador mais rápido do Mundo conseguirá violar. Inteiramente suportada em capital dos sócios, a Adyta financia a maioria da I&D com a prestação de serviços de cibersegurança. E conseguiram financiamento europeu para o projeto que pode transformar a startup em unicórnio. O Adyta Phone é um sistema de comunicações seguras que nunca passam por servidores externos ao cliente.
A pandemia criou atrasos adicionais no pagamento de fundos europeus difíceis de gerir, uma vez que "a maior despesa é pagar aos colaboradores, que não são baratos neste setor". Se já era muito difícil recrutar pessoal com o perfil certo, com a generalização do teletrabalho, agora há multinacionais a recrutar "para trabalhar para em qualquer parte do Mundo". Carlos Carvalho sublinha que "se algo ameaça o crescimento da empresa é a falta de recursos humanos".
Diagnóstico
2159 empresas
Segundo o relatório "Startup&Entrepreneurial System", apresentado pela IDC, Portugal tinha 2159 startups no fim de 2020. Para 42,3%, a pandemia trouxe oportunidades.
Quatro unicórnios
Portugal já produziu quatro startups avaliadas acima de mil milhão de dólares (unicórnios): a Farfetch (22 mil milhões), a Outsystems (9,5 mil milhões), a Talkdesk (3 mil milhões) e a Feedzai (1,3 mil milhões).
Norte produtivo
A maioria das startups (1245) está sediada no Norte e Centro (Startuphub).
169 incubadoras
No final de 2019, a Rede Nacional de Incubadoras contava com 169 locais, em todo o país, especialmente na Zona Norte (58).