Seguradora nunca recebeu investimento de 135 milhões de euros em papel comercial do Grupo.
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As ações da Tranquilidade foram usadas como garantia para os sucessivos empréstimos contraídos pelas empresas do Grupo Espírito Santo (GES). A companhia de seguros também comprou, só em maio de 2014, 85 milhões de euros de papel comercial emitido pelo universo GES e, sempre a mando de Ricardo Salgado, foi avaliada em quase 900 milhões de euros quando valia, no máximo, 350 milhões. A delapidação do capital da Tranquilidade tinha sempre o mesmo objetivo: ocultar a viciação das contas, validar a transferência de milhões de euros entre entidades do GES e permitir a captação de investidores para que o império não ruísse. O resultado foi a ruína da companhia
A tese é defendida pelo Ministério Público, na acusação que fez de Ricardo Salgado e outros 24 gestores e empresas arguidos. Em 2014, a Tranquilidade, assim com a T-Vida (detida totalmente pela companhia de seguros), era uma das empresas mais estáveis do setor. Facto que foi aproveitado por Ricardo Salgado para tentar salvar o GES quando a derrocada já era previsível.
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Em 7 de maio desse ano, o ex-banqueiro deu ordens para que a Tranquilidade e a T-Vida comprassem 85 milhões de euros de papel comercial emitido pela Espírito Santo Financière (ESFIL), também do GES, através de um negócio que não contou com a aprovação do conselho executivo e comités financeiro e de risco das empresas. Esta decisão de Salgado aumentou para 135 milhões de euros a exposição da Tranquilidade ao risco do GES quando, um ano antes, o limite tinha sido fixado em 65 milhões.
Os alarmes tocaram e vários colaboradores da Tranquilidade alertaram os administradores e até o presidente da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões. Nada, no entanto, que impedisse Salgado de prosseguir com a sua estratégia. No final de julho, vários elementos ligados ao GES, entre os quais o agora arguido Manuel Espírito Santo, convenceram o regulador a permitir que o pagamento dos 85 milhões de euros fosse prorrogado até 11 de agosto. Contudo, por falta de fundos, nunca a Tranquilidade foi reembolsada.
Diretora obedece
Esta não foi, porém, a primeira vez que o homem conhecido por "Dono Disto Tudo" recorreu à Tranquilidade para manter ativa a roda que fez movimentar, de forma fraudulenta, o GES. Em setembro de 2013, quando precisava de justificar "as avultadas transferências de fundos da Rioforte e ES Irmãos para a Espírito Santo International (ESI)", entidades todas controladas pelo GES, Ricardo Salgado obrigou Leonor Dantas, diretora do BESI, a fixar em 898,6 milhões de euros o valor da seguradora quando esta não valia mais do que 350 milhões.
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Leonor Dantas alertou para a sobrevalorização em vários relatórios enviados para José Castella, Francisco Machado da Cruz ( arguido) e para a secretária de Salgado. Este chegou a reconhecer a fraude numa reunião do Conselho de Administração da ESI e numa carta assinada pelos elementos do Conselho Superior do GES, mas manteve o valor para poder continuar a captar investidores e, assim, manter ocultas as contas viciadas.
Comprada por 50 milhões e vendida por 600 milhões
Criada em 1993, a Tranquilidade passou, em 2014, para as mãos do Novo Banco, fruto da resolução do BES. Tinha, então, um buraco de 150 milhões de euros provocado pelos negócios de Ricardo Salgado, mas foi vendida, em janeiro de 2015, a um fundo de investimento por 50 milhões de euros. Quatro anos mais tarde, a Apollo vendeu ao grupo Generali a Seguradoras Unidas, dona da Tranquilidade, Açoreana e AdvanceCare, por 600 milhões de euros. No mês passado, a Autoridade de Supervisão arquivou, sem culpados, a investigação feita ao prejuízo causado pelo GES na seguradora.
25 arguidos
O Ministério Público imputa aos 25 arguidos crimes como burla, branqueamento de capitais, manipulação de mercado e infidelidade.
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Associação criminosa
Os principais arguidos, entre os quais Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires, Isabel Almeida e Francisco Machado da Cruz, estão também acusados de associação criminosa.
"Sacos azuis"
Segundo a acusação, Ricardo Salgado era líder e mentor de uma organização criminosa que usava as empresas do GES para obter avultados lucros pagos através de "sacos azuis" que escapavam ao controlo das autoridades.