Ex-presidente da República elogiou trabalho do BdP. Queixas contra supervisores também foram arquivadas.
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O Ministério Público (MP) arquivou todos os eventuais crimes que poderiam ser imputados a titulares de cargos políticos no âmbito do principal inquérito à queda do Banco Espírito Santo (BES), no verão de 2014. Para os procuradores, não "se descortina" como é que as declarações então proferidas pelo presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, e "membros de outros órgãos de soberania" poderiam ter arrastado "deliberadamente os investidores para uma solução criminosa".
No total, foram mais de 300 as queixas de lesados recebidas, com uma parte delas a invocar, lê-se na acusação agora conhecida, a "decisão administrativa que impôs a resolução do BES e a criação do Novo Banco" e o contexto que a precedeu, apontando o dedo a titulares de órgãos de soberania e responsáveis pela supervisão bancária e financeira. Os factos referentes a estes últimos foram igualmente arquivados no despacho de encerramento do inquérito.
Ao todo, foram acusados 25 pessoas, entre as quais Ricardo Salgado, à data líder do BES, e suspeito de então ter dissimulado a real situação do banco. O ex-banqueiro nega todas as acusações que lhe foram imputadas.
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Prejuízos de 3,5 mil milhões
A resolução do BES foi decidida a 3 de agosto de 2014 pelo Banco de Portugal (BdP), depois de, a 30 de julho, a instituição presidida por Salgado ter comunicado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) prejuízos de cerca 3,5 mil milhões de euros no primeiro semestre daquele ano.
Nessa altura, o banco estava já sob vigilância apertada do BdP, fruto da necessidade, identificada no final de 2013, de proteger o BES do contágio de problemas na área não financeira do Grupo Espírito Santo (GES). Um trabalho que, duas semanas antes da resolução, chegou a ser elogiado por Cavaco.
"Considero, pela informação que tenho, que o Banco de Portugal, como autoridade de supervisão, tem vindo a atuar muito bem para preservar a estabilidade e a solidez do nosso sistema bancário", afirmou o então chefe de Estado. Frisou, ainda, que o BdP fora já "perentório [...] a afirmar que os portugueses podem confiar" no BES.
Seis anos depois, o MP ressalva que os pressupostos da resolução são avaliados no plano administrativo e civil, mas, da prova analisada, "não se identificam atos de natureza intencional que tenham sido empreendidos ou omitidos por funcionários" para beneficiar ou prejudicar "determinado património". "Enquanto recetores de informação relevante sistematicamente manipulada, não se alcança como em tão pouco tempo pudesse ser perspetivada uma solução eficaz para uma entidade bancária, cujo valor reputação é essencial", frisam os procuradores. De fora, fica, para já, o apuramento de responsabilidades relativas ao aumento, em junho de 2014, do capital do BES, a investigar noutro inquérito.
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Ex-chefe de Estado recebeu donativo de 252 mil euros do GES
Dez gestores do BES/GES terão doado em 2010, segundo o MP, um total de 252 mil euros à campanha eleitoral de Cavaco Silva. Um deles terá sido o próprio Ricardo Salgado. Pelo menos seis terão recuperado o dinheiro, a partir da sociedade offshore ES Enterprise, que funcionaria como "saco azul" do GES. Miguel Frasquilho, presidente da TAP, terá igualmente recebido da sociedade, entre 2008 e 2011, quase 69 mil euros numa conta cotitulada com familiares.
À data, era deputado do PSD. Cavaco disse desconhecer os pagamentos e Frasquilho assegurou não saber a origem do dinheiro, relativo a rendimentos laborais.