Silva Peneda considera que "troika" não tem noção do que é a economia portuguesa
O presidente do Conselho Económico e Social, José Silva Peneda, afirmou que há uma clara "falta de noção" da "troika" quanto à realidade da economia portuguesa, um desconhecimento que se traduz num programa "irrealista" e "mal desenhado".
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"Há vícios na conceção do programa que têm feito com que aquilo que era programado, as metas programadas, não tenha sido cumprido", disse Silva Peneda em entrevista à agência Lusa.
O ex-ministro do Emprego do Governo de Aníbal Cavaco Silva considerou que "há uma clara falta de noção exata da realidade do que é a economia portuguesa por parte dos membros da 'troika'", composta pelo Banco Central Europeu (BCE), Fundo Monetário Internacional (FMI) e Comissão Europeia (CE).
"Dá ideia que fizeram um modelo, que é um modelo de pronto a vestir, que se aplica, indiferentemente das características culturais e económicas de cada país", disse o presidente do Conselho Económico e Social (CES).
No entender do responsável, que preside aquela que foi a "primeira instituição que falou num programa mal desenhado e num ciclo vicioso, centrado na austeridade e na incapacidade de redução do défice público", a "troika" descurou quatro aspetos que caracterizam a economia portuguesa.
Silva Peneda salientou que o desequilíbrio da economia portuguesa é de "natureza estrutural e muito profundo", assente em pequenas e médias empresas (PME), muito diferente dos países da Europa.
Num segundo aspeto, assinalou tratar-se de um programa aplicado num país que não tem moeda própria, o que dificulta o sucesso da sua aplicação.
Enumerou, por fim, que "Portugal tem excesso de endividamento das empresas e das famílias o que é uma característica muito própria da economia", algo que a "troika" não considerou, tendo também negligenciado "o peso do mercado interno na criação de emprego".
O presidente do CES, que elaborou recentemente um parecer sobre o Orçamento do Estado para 2014, alertou para estas fragilidades e lançou algumas críticas ao grau de austeridade presente no Orçamento que "é fruto desse programa concebido de uma forma irrealista".
"É muito difícil promover a consolidação orçamental em tempos de recessão e o cenário macroeconómico apontado para 2014 é um cenário de risco e temos muita dificuldade em perceber como se vai atingir os 4% [de défice] porque há muitas medidas de caráter recessivo neste Orçamento - nomeadamente, cortes nos salários da função pública e nas pensões - o que vai afetar o rendimento disponível das famílias", assinalou Silva Peneda.
Defendeu, por isso, que a par da determinação do Governo em alcançar a consolidação orçamental, deve apostar-se no crescimento económico e na reforma do Estado.
"Deve haver, em simultâneo com a consolidação orçamental, crescimento económico e a reforma do Estado e esse espaço deste triângulo dá a coesão social que, neste momento, levanta problemas porque a classe média está a desaparecer e isso é preocupante em termos sociais", afirmou Silva Peneda.
Embora as medidas de caráter recessivo implícitas no Orçamento do Estado para 2014 se traduzam, segundo os cálculos do CES, "quando comparadas com o ano de 2013, num impacto negativo de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB)", Silva Peneda acredita que o Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) termina em junho do próximo ano.
"Admito que o programa, tal como foi concebido, termine em junho, o que virá depois, é outro capítulo", disse.