Sem S. João, a festa maior do Porto, na fábrica de Júlio Peneda não se produzem os martelinhos que noutros anos, por esta altura, davam som ao negócio. Os carrosséis da família Felício continuam parados e a rulote de farturas de Abel Silva está estacionada. Só no terreno de Joaquim Araújo resiste o cheiro dos manjericos.
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O cancelamento do S. João - que também juntava multidões em Gaia, Braga ou Vila do Conde - veio agravar a situação dos empresários de diversões. A associação que os representa tem registo de 800 negócios ligados a feiras e romarias. Com o presente adiado, o futuro é de muita incerteza.
Manjericos
Corremos um bocadinho o risco
Em Pedrouços, na Maia, Joaquim Araújo não tem mãos a medir. Há que regar, arrancar ervas daninhas e cuidar dos manjericos. Com a chegada de junho, é tempo de colheita. Os trabalhos fazem-se pela "fresca", com a ajuda da família e dos amigos. As sementes foram deitadas à terra entre março e meados de maio. Quanto mais cedo for a plantação, maiores são os manjericos.
Joaquim Araújo aventurou-se no cultivo da planta há 25 anos, pela sua "beleza" e pela escassez de produtores. Nessa altura, semeava 100 pés. Desde então, a prática fez o mestre e agora chega a apanhar 25 mil manjericos. Vende para todo o país e para o estrangeiro. O vaso leva o cheiro da época à mesa dos emigrantes, principalmente em França e na Suíça. Sem romarias nas ruas este ano, Joaquim Araújo admite uma quebra de vendas na casa dos 10%. "Corremos um bocadinho o risco com a plantação porque, na altura, tudo era muito novo. Sei que no Porto vai haver um menor consumo, mas as pessoas também procuram mais antes do S. João, para terem o manjerico em casa", observou.
Martelos
Dava fôlego para o resto do ano
Não há encomendas prontas a sair, nem máquinas a produzir foles e cabos. Na BruPlast, em Alfena, Valongo, em vez dos martelinhos de S. João, os funcionários dedicam-se ao fabrico de frascos de plástico para álcool-gel. Foi a forma que a empresa, na família de Júlio Penela há quase um século, encontrou para compensar a falta de procura pelo adereço sanjoanino. "Num ano normal já estava a recusar pedidos, não havia tempo ", afirmou o gerente.
Em média, por ano, saem da fábrica à volta de 60 mil unidades. Neste S. João, Júlio Penela não deverá vender nenhum. Nem os dois sacos com sobras do ano passado. Os prejuízos atingem milhares de euros. A época representa cerca de 15% no volume de negócio. Para responder a tanto trabalho, a empresa via-se obrigada a reforçar a equipa. "Eram meses de faturação que davam algum fôlego para o resto do ano. Agora, se não fossem os artigos industriais, estava parado", assinalou Júlio Penela.
Farturas
Só queremos trabalhar
O itinerário pelas feiras e romarias estava definido, mas não foi concretizado. Em março, Abel Silva chegou a montar a rulote na Póvoa de Lanhoso. De lá, a "Churreria Dolores" seguiria viagem para as festas de Arcozelo. No entanto, a pandemia impediu a rota de seguir adiante. A mulher, que trabalha a seu lado, também está sem ocupação. "Quando comecei a aperceber-me de que as feiras estavam canceladas e estava sozinho caíam-me as lágrimas sem saber o que poderia acontecer. São mais de 18 meses sem trabalhar", lamentou Abel, de 40 anos.
Começou a vender cerejas, mas garante que há clientes que lhe ligam desejosos por saborear uma fartura. "Nunca fomos um povo de pedir apoios nenhuns. Só queremos a possibilidade de trabalhar".
Carrosséis
Gerir da melhor maneira
Tal como Abel Silva, também Iolanda Felício chegou a instalar os seus carrosséis na Póvoa de Lanhoso, mas desmontou-os antes de começar a trabalhar. Pelo caminho ficou um investimento de cerca de cinco mil euros. O negócio permanece parado após um inverno de inatividade. Sem feiras nem romarias, o lay-off deu uma ajuda. "Temos de gerir da melhor maneira o pouquinho que conseguimos juntar durante o verão", disse a jovem, que trabalha com os pais e conta com o apoio do marido, engenheiro eletrotécnico.
Com o desconfinamento, Iolanda Felício pede uma hipótese para o setor das diversões. "Podiam tentar fazer um parque de diversões com todas as condições de segurança e higiene. Se todos os negócios estão a conseguir reabrir, porque não nós?", interroga, apelando à ajuda dos municípios.