Há 2,8 milhões de portugueses com ordenado de três dígitos. Mais de metade dos salários mínimos está em quatro áreas. Especialistas defendem maior produtividade e qualificações.
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Na hora de ir ao supermercado ou abastecer o carro, quem tem vencimentos mais baixos sente mais o peso da escalada inflacionista. Em Portugal, três em cada quatro trabalhadores por conta de outrem têm um salário inferior a mil euros. O ordenado mínimo já atinge mais de um quatro da mão de obra e há quatro setores que concentram a maioria dos vencimentos baixos.
O Governo anuncia na segunda-feira um pacote de medidas para minimizar os efeitos da inflação que pesa na carteira dos portugueses. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, a remuneração bruta mensal de cada trabalhador aumentou em média 3,1% no segundo trimestre de 2022. Porém, este aumento foi engolido pela inflação e, em termos reais (variação salarial menos a inflação), os portugueses acabaram a perder 4,6% de salário, em média. Isto "afeta sobretudo os salários mais baixos", defende Manuel Carvalho da Silva, sociólogo e ex-secretário-geral da CGTP-IN. Ou seja, afeta mais a maioria dos portugueses.
Em junho, havia em Portugal quase 3,9 milhões de trabalhadores por conta de outrem, segundo a Segurança Social. Destes, 2,8 milhões (72%) recebia menos de mil euros de ordenado. Estão maioritariamente em empresas pequenas, pois são estas que pagam pior. Em média, as empresas com menos de dez funcionários pagaram 881,56 euros a cada trabalhador, em junho. Uma empresa grande (entre 100 e 400 funcionários) pagou 1 444 euros, em média.
Quarto áreas pagam o mínimo
Apesar de uma ligeira subida, o número de pessoas a receber o salário mínimo estabilizou nos 25% do total de vencimentos. Mas em que áreas são mais praticados? O relatório da Segurança Social sobre a retribuição mínima mensal garantida dividiu todos os salários mínimos por áreas e constatou que mais de metade estão em quatro setores. O comércio por grosso e a retalho representa 18% de todos os vencimentos mais baixos. Seguem-se as indústrias transformadoras, como o têxtil ou calçado, com 16,1%; o alojamento e restauração com 11,8%; e as atividades de apoio social com 10,8%. Juntas, estas áreas representam 57% do total de salários mínimos em Portugal. Os mesmos dados traçam o perfil do trabalhador com ordenado mínimo: é mulher, do Norte, tem entre 45 e 54 anos, não concluiu o ensino secundário e trabalha numa empresa pequena de comércio.
Economia de baixo valor
Manuel Carvalho da Silva explica que por detrás destes números estão famílias "que trabalham e nem por isso deixam de estar numa situação muito difícil". É preciso, por isso, olhar de outra forma para a pobreza: "A abordagem das instituições, até do presidente da República, é muito mais centrada nas questões da caridade do que nas causas da pobreza, que são pouco trabalhadas. Somos um país com uma grande condescendência perante a pobreza". O sociólogo entende que é preciso repensar "a gestão e a organização do trabalho", invertendo "a matriz de produções de baixo valor acrescentado" e valorizar o trabalhador: "A sociedade, de forma patética, até substitui o conceito de trabalhador por colaborador para camuflar a falta de valorização".
João Cerejeira, economista especializado nas questões do trabalho e professor da Universidade do Minho, concorda que há "um perfil de especialização que foi em direção aos setores de baixo valor acrescentado". Prova disso é que o emprego evoluiu mais do que o produto interno bruto, o que quer dizer que "o emprego subiu em setores em que é difícil ter ganhos de produtividade significativos".
O docente considera que Portugal devia criar "vantagens fiscais" para atrair investimento estrangeiro em áreas produtivas - como as tecnologias - e resolver o "problema de habilitações", dado que metade da população ativa não tem o 12.º ano completo.