Produtores sem forragens, a fatura das rações dispara. Na Serra da Estrela, teme-se que haja menos queijo.
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"As culturas de inverno estão atrasadas, vão ser menos e vão obrigar-nos a comprar mais alimentação", explica Rui Sousa, mostrando o azevém que colheu "com tamanho bem abaixo do normal para a época". A seguir, vem o milho e as perspetivas não são melhores. Stress hídrico, menos valor nutritivo, mais problemas.
Faça chuva ou faça sol, cada vaca come, em média, 50 quilos por dia e bebe 150 litros de água. Se o setor do leite já estava em crise e se os produtores portugueses são os mais mal pagos da Europa, a seca só veio piorar a situação. Numa exploração com cerca de 100 animais, o normal é que o gado coma 60% de forragens e 40% de ração. "Com esta situação, podemos ter que passar para 50%-50%. Mais 10% de ração são mais 2500 euros por mês", conta o produtor e presidente da Leicar-Associação de Produtores de Leite e Carne, olhando, na vacaria em Bagunte (Vila do Conde), os seus 130 animais e os campos outrora "verdes e frondosos", hoje "só com erva rasteira".
Abóbora em vez de cebola
Dali saem 1,4 milhões de litros de leite por ano para a cooperativa Leite do Campo. Na Leicar, há 1300 sócios. O problema afeta todos e, ainda que o litoral norte não seja o mais penalizado pela seca, a falta de água já preocupa, pois deixa antever um verão "muito complicado" e "vai deixar a zeros os stocks de forragens".
"Faz-nos repensar tudo. Muitos de nós estão com culturas de sequeiro, em vez de culturas de inverno", atira Manuel Silva, o presidente da Horpozim, com 850 associados, abastece uma fatia considerável do país. No seu campo, a batata "normal" e a cebola foram substituídas pela batata doce e pela abóbora-manteiga, culturas "menos exigentes em termos de água" e que "não sofrem tanta pressão em termos estéticos".
Para regar o campo que não chega a um hectare, havia um poço com sete metros e outro com nove. O pai fez um furo com 15 metros. Manuel Silva já fez outro com 120 metros e "sabe Deus". Nunca regou tanto no inverno. O ciclo é "vicioso": se rega mais, gasta mais dinheiro; se rega menos, a cultura vem devagar e a "fruta feia" - pequena e imperfeita - rende menos. No final, "é quase sempre o produtor a pagar a fatura".
No Baixo Alentejo, a Rui Garrido preocupa ver uma situação tão generalizada: "Noutras alturas, havia seca aqui e ali. Agora, é em todo o lado!". Na serra da Estrela, onde em ano normal haveria, por esta altura, abundância de pastos, há apenas erva rasteira. As ovelhas dão menos leite e, garante a Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Serra da Estrela, "já há quem esteja a vender animais por não ter como alimentá-los". Sem alternativa, haverá menos queijo da serra.
Iniciativa
Câmara do Fundão vai apoiar pecuária
A Câmara do Fundão vai apoiar com 15 euros por animal e dez cêntimos por litro de leite os produtores de ovelhas e cabras do concelho. As candidaturas estão abertas até 30 de junho, no âmbito do Regulamento Municipal de Concessão de Apoio Financeiro destinado ao Fomento da Produção Pecuária.
"Este apoio [a fundo perdido] foi criado com o intuito de fomentar a atividade de pastoreio extensivo em paisagem protegida e valorizar as raças autóctones", explica a autarquia, que quer apoiar, ainda, "a fixação e rejuvenescimento" de produtores e atenuar "o impacto negativo do constante aumento dos custos de exploração".