"Deslocado", dos NAPA, conta a história de um jovem que anseia poder regressar à Madeira de cada vez que embarca no avião com destino a outro lugar. Por sua vez, "Pôr do Sol", de Vizinhos, fala de um amor correspondido entre o Alentejo e Lisboa
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No início deste ano, duas canções escritas, compostas e cantadas em português conquistaram, de forma inequívoca, os corações de milhares de ouvintes aquém e além-fronteiras - a avaliar pelo número de vezes que passam nas rádios e pelos rankings de plataformas como o Spotify. E porquê? Diz-me o senso comum que é por apelarem a uma nostalgia facilmente identificável por várias faixas etárias, em torno de lugares, formas de ser e de estar, para além de serem músicas "orelhudas", com refrões fáceis de decorar e capazes de se alojar no cérebro contra a nossa vontade.
Entre elas, a que se destaca na escala da popularidade é "Deslocado", da banda NAPA. Lançada em janeiro, concorreu ao Festival da Canção da RTP, venceu o primeiro lugar e catapultou os cinco artistas para a ribalta. A letra narra uma história que é, naturalmente, transversal a todos os que vivem "deslocados" do lugar onde nasceram e cresceram. Neste caso, a viagem aérea e emocional que parece consumir os madeirenses que por alguma razão migram para Lisboa.
"O meu caminho eu faço a pensar em regressar/À minha casa, ilha, paz, Madeira." O vocalista Guilherme Gomes modela a voz de forma a enfatizar cada verso, cada ideia e palavra. Canta a "solidão que assombra a hora da partida", agarrando-se ao "sossego de poder voltar" à ilha que nenhuma outra cidade será capaz de substituir. Porque "Por mais que possa parecer/Eu nunca vou pertencer àquela cidade/O mar de gente, o Sol diferente/O monte de betão não me provoca nada/Não me convoca casa". Perante a cidade incógnita, cada ouvinte pensa na sua.
Na parte que me toca - eu que até hoje nunca passei pela situação de "deslocado" -, seduz-me a melodia melancólica, com uma instrumentalização próxima do pop rock dos anos 1970 e onde pontua o uso subtil de flautas e cordofones madeirenses, como a viola de arames. E ainda que não me reveja na narrativa de um jovem adulto forçado a mudar-se para a capital, onde a selva de betão contrasta com a floresta laurissilva e tudo sabe e cheira diferente, consigo entender a frustração de quem não se identifica com a grande urbe.
Narrativa semelhante tem a canção "Pôr do Sol", do grupo Vizinhos, lançada em março. Cinco amigos eborenses inspiraram-se no Alentejo como cenário de uma história de desencontros e amor à distância, em que o entardecer coroa a paisagem e a saudade. "Amor, eu já pensei ir ver o pôr do sol/Se achas Lisboa grande, o Alentejo é bem maior", ouve-se no refrão. O campo e a cidade, a grande ilha e o continente dialogam sonoramente em "Deslocado" e "Pôr do Sol", num claro sinal de que as gerações mais novas têm ânsias de abrandar e regressar às raízes.