Crónica de Pedro Ivo Carvalho: A bolinha de Berlim vem do Dubai como o chocolate?
A resposta é fácil: não, não vem, embora também se venda embalada em plástico nas mesmas superfícies comerciais
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O fenómeno balnear das bolinhas de Berlim é quase tão intrigante como o fenómeno balnear das toalhas sem dono que reservam lugar de véspera nas espreguiçadeiras da piscina. Tudo porque os portugueses não conseguem resistir ao ajavardamento conceptual das pequenas coisas. Foi assim com os pastéis de bacalhau, foi assim com a sardinha, está a ser assim com as bolinhas de Berlim da praia.
O com creme ou sem creme foi ultrapassado pela extravagância de sabores e de formas. Há uns anos, arriscaram as de Nutela. Os petizes lamberam os dedos. Depois vieram as de morango, de maçã e canela, de frutos silvestres, de pistácio, de doce de leite, de massa de alfarroba com creme. De maracujá. O que faz com que se tenha tornado quase num atrevimento pedir aos vendedores de pele crocante que andam a arrastar-se pelos areais (fingindo que estão bem-dispostos com as piadas que ouvem todos os dias) uma simples bola de Berlim sem nada no meio ou com cobertura de açúcar. "Quer uma bola só com creme? Ou sem nada?" O melhor é cavarmos um buraquinho na areia para escondermos a dignidade.
Descobri há dias que agora também se vendem bolinhas em formato XXL, numa caixa onde cabe um bolo de batizado, pensadas para repartir por todos, a preços de uma refeição completa. A vantagem, dizem os criativos transportadores de calorias, é que dá para o dia todo. Ah, que satisfação sem nome: ficar seis horas ao sol a engolir farinha frita.
Nós conseguimos ser tão imaginativos que criámos lojas físicas e online que vendem bolas da praia para comer... em casa. Ou no escritório. A dois euros ou perto disso. Preços de amigo. Para começar. Costuma dizer-se que o mercado dá aquilo que o cliente procura, mas no caso das bolas de Berlim da praia tenho sérias dúvidas de que perdêssemos alguma coisa se nos tivéssemos cingido às com creme e sem ele.
Confesso, pelo exposto, que estou com algum receio de pisar os areais este verão: após ter percebido que criaram uma versão de pastéis de nata do Dubai, temo que a moda contamine as bolinhas. E que o preço se transforme numa etiqueta escaldante das arábias. Por isso, se virem um vendedor de Rolex no pulso, t-shirt da Balenciaga e óculos de sol Louis Vuitton, preparem a carteira. As bolinhas de Berlim do Dubai estão a chegar.