Conhecida como a Ilha do Dragão, pelo aparente dorso que se vislumbra ao longe e pela atividade vulcânica, a ilha de São Jorge reúne histórias de muita gente e culturas. E é a ilha mais bem acompanhada do arquipélago
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No centro dos Açores está a ilha que menos sozinha se sente entre as nove. Porque São Jorge é a única do arquipélago de onde se conseguem avistar quatro ilhas. “A sul, vemos sempre o Pico e o Faial; a norte, se o tempo o permite, a Graciosa; e na parte leste, a Terceira”, indica Dina Nunes, guia turística e de natureza, apaixonada pela sua terra-natal. “O facto de ser jorgense faz-me sentir que não estou sozinha.”
Além de jorgense, Dina é uma orgulhosa fajanense. As fajãs de São Jorge são Reserva Mundial da Biosfera da UNESCO desde 2016. Estes pedaços de terra aplanados junto ao mar e bons para a agricultura formaram-se devido à atividade tectónica e vulcânica e só existem nas ilhas da Macaronésia (além dos Açores, Madeira, Cabo Verde e Canárias). “São como um mundo à parte” dentro da ilha rodeada de outras ilhas. Natural da Fajã dos Vimes, lembra as dificuldades que ainda há poucos anos existiam.
“Ainda apanhei eletricidade temporária, até 1998. Antes, só havia das 7 às 8 horas, quando nos preparávamos para ir para a escola. Era retomada na hora do almoço até às 14 horas e depois só entre as 18 horas e a meia-noite.” Dina Nunes sorri com a memória: “Era um gerador comunitário e quando havia festas no centro recreativo era o senhor Geraldo que dava autorização à rapaziada nova para saber onde tínhamos de ir desligar o disjuntor, mas éramos responsáveis”.
A ilha de São Jorge é a que tem mais fajãs de todo o arquipélago, à volta de 70, sendo que grande parte estão desabitadas, e algumas são de muito difícil acesso, apesar de terem sido os primeiros pedaços de terra a serem colonizados.
Os grandes responsáveis pelo seu abandono são os terramotos de grande intensidade que assolam a ilha de tempos em tempos. Em 1964, a atividade vulcânica submarina levou ao abandono de muitas fajãs no concelho de Velas. Mas o grande terramoto de 1980 é dos que mais emociona Dina. Apesar de só ter nascido seis anos depois, relata o drama como se estivesse lá.
Foi na tarde do primeiro dia do ano que São Jorge, a Terceira e a Graciosa tremeram, resultando em 73 mortos e mais de 400 feridos. Dina conta que no Centro de Interpretação da Fajã da Caldeira de Santo Cristo está em exibição um filme sobre o evento. “Muitas vezes vou lá com turistas, mas a determinada altura tenho de sair porque custa-me ver as pessoas a olhar para trás e dizerem que não sabem se voltam a sua casa. A nossa fajã é a nossa fajã, sinto isso na pele.”
O café do hemisfério norte
Dina nunca teve de sair da sua fajã. Só para estudar, mas voltou para abrir a sua empresa de turismo de natureza e aventura DISCOVER EXPERIENCE, através da qual é possível fazer desde tours de carrinha, a atividades de canoagem ou trilhos pedestres. Contrariando a tendência de abandono gradual da ilha, a família Nunes ficou e prosperou. Nos anos 90, abriram o CAFÉ NUNES, onde hoje o pai de Dina, Manuel, serve o café que ali mesmo produzem. Rapidamente se tornou num dos motivos principais de visita à Fajã dos Vimes.
“A produção do café na ilha já vem desde finais do século XVIII ou inícios de XIX.” A planta chegou quando muitos emigrantes que tinham ido para o Brasil foram obrigados a regressar a casa. O café havia sido introduzido no Brasil por um português, por volta de 1720, e era preciso mãos para trabalhar. Muitos açorianos embarcaram em navios negreiros clandestinos que vinham de África com pessoas escravizadas. “Muitos saíram daqui iludidos que poderiam ter o seu pedaço de terra. Mas acabaram por não ter qualquer tipo de condições”, refere Dina.
Ao contrário do que aconteceu nas outras ilhas, a planta deu-se bem em São Jorge. Dina Nunes acredita que foi devido ao microclima das fajãs. “A planta cresce na linha do Equador para o hemisfério sul, em temperaturas entre os 18 e os 25 graus, com bastante humidade e em altitude. Nós estamos no hemisfério norte, mas as fajãs, devido à densidade de vegetação e à maresia, têm um microclima específico. Aqui, dão-se também outras espécies exóticas, como a manga ou a goiaba. Apesar de a nossa média de temperatura ser de 12 graus no inverno e 25 no verão, temos uma percentagem de humidade de 79, 80%. A espécie consegue sobreviver. E é uma raridade.”
Mas a tradição de produzir e servir o café que aqui se produz é outra história. Antigamente, muitas senhoras se dirigiam a esta fajã para comprar colchas de cama às artesãs locais. Estas eram conhecidas pelo tipo de ponto chamado ponto alto ou laças puxadas, que se faz apenas nesta zona. “Era normal oferecer café às senhoras enquanto viam as colchas.” Quando a sua mãe Alzira também começou a tecer e a receber clientes, manteve-se a tradição. “Era um luxo ter café. Quando os meus pais casaram e compraram o terreno para fazer a casa, já havia uma plantação, mas também a minha bisavó materna já tinha.” Com o tempo, a sua mãe tornou-se uma das duas únicas artesãs de colchas da fajã. Começou a ir lá muita gente comprar e então “eram cafeteiras atrás de cafeteiras a sair da cozinha”, lembra Dina.
E foram os próprios clientes que disseram ao pai Manuel para pôr à venda o café na sua cafetaria. Hoje trabalha exclusivamente com ele. Para terem o suficiente, tiveram de plantar mais pés, tendo agora cerca de 1000, variedade arábica. Alzira, além de continuar a tecer colchas num tear tradicional, na sua oficina também visitável, dedica-se à torra do café. O método é artesanal: é vê-la em frente ao fogão a mexer os grãos na frigideira, torrando-os lentamente.
Na terra e no mar
Pela sua terra fértil, onde tudo nasce e cresce, e pelo muito mar à volta para explorar, São Jorge tem desde as suas primeiras populações uma história agropecuária e piscatória. Esta pode ficar a conhecer-se na CASA MUSEU CUNHA DA SILVEIRA, em Velas. Na antiga habitação daquela família, uma das mais abastadas e influentes do século XIX, encontra-se a coleção “O mar e a terra: a sustentabilidade de um povo”. Inaugurado em 2017, após a autarquia local ter adquirido e renovado o edifício, que remonta ao século XVIII, o museu está dividido em seis espaços de exposição permanente, com objetos que ilustram os ofícios da ilha, como a tecelagem, a pesca, a agricultura e a criação de gado.
Um dos espaços é dedicado, precisamente, à família que habitou a casa, os Silveira, que descendem de Wilhem van der Haagen, um dos vários flamengos que ajudaram a povoar a ilha no século XV, e que lá adotou o nome de Guilherme da Silveira.
A presença flamenga na ilha teve uma influência que ajudou a definir a própria cultura jorgense. E o queijo da ilha de São Jorge é um dos melhores exemplos disso. Para a ilha levaram a experiência na produção de laticínios. Hoje, o Ilha DOP é produzido apenas com leite de vaca cru e passa por uma cura de, no mínimo, três meses. A Uniqueijo, que em 1986 agregou várias das cooperativas que antes existiam, tem a fábrica aberta a visitas durante os dias de semana. No decorrer da visita, sempre guiada, fica a conhecer-se toda a história e o método de produção. As instalações contam também com uma loja onde se pode comprar as várias marcas ali produzidas e outros produtos dos Açores, como vinhos, compotas e conservas
Visitar e comprar
Café Nunes
Casa de Artesanato Nunes
Fajã dos Vimes, 138, Ribeira Seca, Calheta
Tel.: 295 416 717
Web: facebook.com/CasaDeArtesanatoNunes
Das 8h às 21h. Não encerra
Tel.: 295 416 717
Uniqueijo
Canadinha Nova, Beira, Velas
Tel.: 295 438 274
Web: instagram.com/uniqueijo_saojorge
Loja: Das 9h às 17h30, de segunda a sexta; entre junho e setembro, também ao sábado, das 9h às 13h
Visitas: das 9h às 11h30 e das 13hàs 16h, de segunda a sexta
Fazer
Discover Experience
Fajã dos Vimes, Calheta
Tel.: 926 360 041
Web: discoverexperience.pt
Atividades desde 30 euros
Ficar
Quinta de São Pedro
Lugar de São Pedro, Velas
Tel.: 918 394 506
Web: facebook.com/p/Quinta-de-São-Pedro
Quarto duplo desde 95 euros, com pequeno-almoço
Comer
Restaurante São Jorge
Rua Maestro Francisco de Lacerda, Velas
Tel.: 295 412 861
Web: facebook.com/restaurantesaojorge
Das 12h às 24h. Não encerra
Preço médio: 25 euros
A Evasões viajou a convite das Casas Açorianas - Associação de Turismo em Espaço Rural, com o apoio da SATA.