Os navios de carga e os navios de cruzeiro poderão em breve aproveitar a energia eólica e ondomotriz para reduzir as suas emissões de carbono, graças a investigadores financiados pela UE.
Corpo do artigo
A agosto de 2023, um navio de carga com cinco anos, o Pyxis Ocean, fez história quando zarpou de Xangai, na China, em direção ao porto de Paranaguá, no sul do Brasil. Uma viagem de quase 25 mil quilómetros.
O aspeto histórico da viagem foi que, em vez de funcionar apenas com combustível de porão altamente poluente, o Pyxis Ocean foi o primeiro navio do seu género a complementar a energia do combustível com energia eólica. Testava as pioneiras WindWings — "velas" dobráveis de aço e fibra de vidro, com 37,5 metros de altura, capazes de aproveitar a energia eólica para impulsionar o imenso navio graneleiro através da água.
Regresso ao futuro
Concebidas pela empresa britânica BAR Technologies, construídas pela Manta Marine Technologies, sediada na Noruega, e ajustadas na China a um navio desenhado pela empresa internacional Cargill, as WindWings são o resultado de uma ambiciosa colaboração internacional: o projeto CHEK. Este projeto recebeu financiamento da UE para ajudar o transporte marítimo comercial a traçar um rumo para um futuro com menos emissões de carbono.
"Foi um grande desafio na altura", afirmou Suvi Karirinne, diretora do Vaasa Energy Business Innovation Centre (VEBIC) da Universidade de Vaasa, na Finlândia, que coordenou o projeto.
A viagem inaugural do Pyxis Ocean constituiu o primeiro teste real das WindWings e uma oportunidade para avaliar se o regresso a este método tradicional de propulsão de navios poderia ser o caminho a seguir para o transporte marítimo de carga.
A maio de 2024, a DNV Maritime Advisory, uma autoridade de certificação e testes reconhecida internacionalmente, confirmou que, quando navegava em condições favoráveis, as duas WindWings instaladas no Pyxis Ocean reduziam o consumo de energia do motor principal em 32 % por milha náutica.
Prevê-se que a tecnologia WindWings seja amplamente adotada ao longo do tempo e já está prevista a sua incorporação em 20 novos navios com instalação prevista para 2025 e anos seguintes.
Transporte mais sustentável
Cerca de 90 % das mercadorias e matérias-primas do mundo são transportadas por via marítima, que não é um meio de transporte tão sustentável como se poderia pensar. Um navio porta-contentores carregado pode consumir até 150 toneladas de combustível pesado por dia, o que é insustentável do ponto de vista ambiental. De acordo com a Agência Internacional da Energia, o transporte marítimo é uma importante fonte de emissões de carbono, representando cerca de 2 % do total global. A abril de 2018, a Organização
Marítima Internacional concordou em reduzir as emissões em, pelo menos, 50 % até 2050, em comparação com a linha de base de 2008.
Para ajudar a atingir este objetivo, os especialistas da CHEK têm trabalhado em conjunto para encontrar soluções de design inovadoras que possam ser integradas nos navios de comércio existentes. O seu objetivo final é criar navios com emissões zero através da combinação sinérgica de diferentes opções.
Integração sinérgica
A equipa de peritos propôs-se integrar uma série de tecnologias e conceitos diferentes em dois tipos de navios: um navio graneleiro e um navio de cruzeiro. Algumas destas conceções foram testadas em condições reais no Pyxis Ocean e num navio de cruzeiro de passageiros pertencente à MSC Cruises, uma companhia global de cruzeiros.
Aproveitando as sinergias entre as diferentes tecnologias operacionais, de fornecimento de energia e de redução do arrastamento, criaram uma gama de soluções que podem ser adaptadas para utilização noutros tipos de navios, tais como petroleiros, porta-contentores, navios de carga geral e transbordadores.
As inovações propostas incluem, entre outras, motores movidos a hidrogénio, dispositivos anti-incrustantes ultra-sónicos e sistemas avançados de planeamento de rotas que têm em conta as condições atmosféricas e marítimas prevalecentes para fornecer a rota mais eficiente em termos energéticos.
Se aplicadas em conjunto, os peritos da CHEK acreditam que os avanços que desenvolveram e testaram poderiam reduzir o consumo de energia dos navios em 50 % e as suas emissões de gases com efeito de estufa em 99 %.
"Não existe uma tecnologia milagrosa para a descarbonização marítima", afirmou Karirinne, que acredita que a melhor forma de alcançar progressos é através da integração de tecnologias inovadoras, tanto novas como já existentes.
Melhorar a eficiência
"O transporte marítimo precisa de reduzir as suas emissões", afirmou Anders Öster, diretor de investigação da Wärtsilä, uma empresa finlandesa de engenharia. "É por isso que precisamos de encontrar soluções para tornar os navios mais eficientes e para descarbonizar a sua propulsão."
Para além de participar no CHEK, Öster coordenou outro projeto de investigação internacional denominado SeaTech, que também recebeu financiamento da UE para melhorar a eficiência do transporte marítimo comercial.
A investigação SeaTech, realizada entre 2020 e finais de 2023, incluiu tanto empresas de transporte marítimo como parceiros académicos, tais como a Universidade de Southampton, no Reino Unido, a Universidade Técnica Nacional de Atenas e a Universidade de Tromsø, na Noruega. Desenvolveu duas tecnologias fundamentais que podem ser adaptadas aos navios existentes e, assim, ter um impacto rápido nas emissões do setor.
Energia ondomotriz
Inspirados pelo movimento das baleias e dos golfinhos na água, os investigadores fixaram uma asa subaquática dinâmica, semelhante às barbatanas frontais de um tubarão-martelo, na parte da frente do modelo de navio com 10 metros de comprimento.
A asa, que aproveita a energia ondomotriz para ajudar a impulsionar o navio, foi testada em tanques de ondas e no Mar Egeu. Os investigadores descobriram que gera um impulso, particularmente em mares agitados, permitindo que os motores reduzam a sua potência.
"Estas asas absorvem a energia das ondas e empurram o navio para a frente", explica Öster. "Também estabilizam os movimentos do navio."
Além disso, a equipa da SeaTech utilizou sensores e software para controlar o processo de combustão num motor a gás de um navio, melhorando a sua eficiência.
"Em comparação com os motores a gasóleo, o nosso motor a gás emitiu menos um terço de CO2", disse Öster. Afirma que as duas inovações funcionam particularmente bem em conjunto, porque o software de controlo do motor pode responder rapidamente às mesmas condições que determinam a potência das asas. Segundo Öster, o resultado é mais do que a soma das suas partes.
"Um mais um é igual a três quando combinamos estas tecnologias. Ao utilizar diferentes tecnologias e combiná-las, reforçamos o seu desempenho."
Os investigadores concluíram que, em conjunto, as duas tecnologias poderiam reduzir as emissões de CO2 dos navios a gasóleo em 46 %.
Vantagem económica
O próximo desafio será persuadir o setor do transporte marítimo a adotar estas inovações. Karirinne acredita que os resultados falarão por si.
Embora o setor dos transportes marítimos possa ser bastante conservador, de acordo com Karirinne, é também muito competitivo. Além disso, o alargamento do Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da UE, em janeiro de 2024, de modo a abranger as emissões de CO2 de todos os navios de grande porte deu um novo impulso à mudança.
Espera que as tecnologias CHEK sejam bem recebidas pelos operadores de transportes marítimos, uma vez que podem reduzir significativamente os custos graças à redução do consumo de combustível e, consequentemente, das emissões de CO2.
"Estas tecnologias não são apenas atrativas porque reduzem as emissões, mas também porque são necessárias do ponto de vista social e económico", afirmou.
A taxa de adoção dependerá tanto da vantagem económica percebida como da facilidade com que as respetivas inovações podem ser implementadas. Pode demorar algum tempo até que todos os navios de carga estejam equipados com velas gigantes, mas as melhorias dos motores da SeaTech já estão a ser adaptadas aos navios.
"O transporte marítimo é considerado um setor difícil de descarbonizar", afirma Karirinne. "Mas mostrámos exemplos de como o fazer. É possível e existem opções. Só precisamos de as utilizar."
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.