Segundo os investigadores, o nervo craniano mais comprido do corpo humano tem potencial para melhorar a saúde em várias frentes.
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Erika Folkes quase desistiu de encontrar soluções farmacêuticas para a sua dor crónica, que está sempre presente e que por vezes a deixa em agonia.
Há décadas que ela suporta este tipo de desconforto - definido como uma dor que dura mais de três meses. Alguns sintomas foram desencadeados por lesões, nomeadamente o efeito de chicotada provocado por três acidentes de viação, e outros resultaram do desgaste natural do corpo.
Processador de dor
Para além de um comprimido anti-inflamatório ocasional, a medicina convencional mal alivia a aflição sentida por Folkes, uma austríaca de 83 anos.
"Existem poucos, ou nenhuns, tratamentos farmacêuticos eficazes para as situações de dor complexas", afirmou. "Nada funciona."
Stefan Kampusch tem algumas notícias potencialmente animadoras para Folkes e para milhões de pessoas como ela em toda a Europa. Liderou um projeto de investigação que recebeu financiamento da UE para aliviar a dor crónica através da estimulação do nervo craniano mais longo do corpo: o vago.
Uma espécie de "autoestrada de dados", o nervo vago vai desde o tronco cerebral, na base do cérebro, ao longo da medula espinal até ao cólon, ramificando-se pelo pescoço, peito e abdómen. A sua função é enviar mensagens elétricas cruciais entre o cérebro e o corpo e vice versa.
"O nervo vago desempenha um papel fundamental no processamento da dor", afirmou Kampusch, diretor executivo de uma empresa médica austríaca chamada AURIMOD. "Ao estimulá-lo, podemos atingir tanto o tronco cerebral como os circuitos cerebrais onde a dor é processada e controlada". Estima-se que 20% dos europeus - cerca de 150 milhões de pessoas - sofrem de alguma forma de dor crónica. São essas pessoas que podem beneficiar dos resultados do projeto de Kampusch, apoiado pela UE, que terminou em dezembro de 2022, após mais de três anos, e que foi designado por AuriMod.
Reinicialização do sistema
Os investigadores desenvolveram um dispositivo usável, sujeito a receita médica, para estimular o nervo vago. O produto com marca registada chama-se VIVO.
O VIVO dá essencialmente ao doente a oportunidade de "reiniciar" o seu sistema nervoso. Os sinais que comunicam a dor ao cérebro são reduzidos quando o sistema nervoso fica "preso" no modo de dor.
"Podemos corrigir os sinais que dizem que há dor quando não há uma lesão real e podemos apagar a memória da dor a nível cerebral", afirmou Kampusch.
Uma avaliação de 148 pessoas que testaram a estimulação do nervo vago sugere que esta reduz para metade a dor lombar crónica em cerca de 60% dos utilizadores no prazo de seis semanas de tratamento - uma melhoria significativa em relação à medicação prescrita para a dor.
A primeira geração do VIVO está disponível principalmente em clínicas privadas na Áustria, Alemanha e Suíça. Com o tempo, à medida que os planos de aprovação e distribuição se forem desenvolvendo, o dispositivo deverá poder ser obtido em mais países e através dos sistemas nacionais de saúde.
Menos invasivo
É uma possível alternativa a um sistema já existente chamado estimulador da medula espinal, que transmite impulsos elétricos para diminuir a dor lombar.
O estimulador é considerado um tratamento de último recurso oferecido apenas a um número limitado de doentes (por exemplo, cerca de 400 por ano na Áustria). É dispendioso e relativamente arriscado, envolvendo elétrodos de arame e uma bateria inserida nas costas.
Consequentemente, a procura de uma alternativa menos invasiva é elevada.
O VIVO fixa-se atrás da orelha, com elétrodos que entram na pele perto do local onde o nervo vago se entrelaça em direção à parte visível do ouvido externo.
O tratamento - cuja intensidade é adaptada a cada pessoa - envolve a estimulação constante do nervo (sentida como um formigueiro indolor) durante sete dias, numa média de seis ciclos.
"Acreditamos que o nosso dispositivo oferecerá aos doentes com dores crónicas uma nova linha de terapia, e esperamos que seja mais eficaz do que os medicamentos atualmente disponíveis", afirmou Kampusch.
Folkes disse que ficou intrigada com uma opção minimamente invasiva como a VIVO e quis saber mais sobre ela. Tenciona falar este assunto ao seu médico. Membro fundador da Chronic Pain Alliance, um grupo de apoio a doentes sediado em Viena, capital da Áustria, Folkes diz que tem dificuldade em manter-se de pé por mais de cinco minutos porque os efeitos benéficos de uma operação às costas feita pelo seu neurocirurgião há três anos já passaram.
"Vou pedir-lhe que investigue o VIVO para ver se é algo que me pode ajudar", disse.
Entretanto, Folkes controla os seus sintomas através de massagens, fisioterapia e passeios com o seu cão Labrador.
Benefícios para o intestino
A ativação do nervo vago, que por vezes também é chamado de "nervo da alma" devido à sua complexidade e sensibilidade, pode fazer mais pela saúde das pessoas do que atenuar a dor crónica.
Verificou-se também que esta estimulação melhora o humor, alivia o stress, ajuda a digestão, ajuda o coração e reforça a imunidade.
"Parece que, todas as semanas, ouço falar de uma nova área da ciência que está a investigar as propriedades benéficas para a saúde do nervo vago", afirmou o Dr. Eric Daniel Glowacki, um cientista de materiais da Universidade de Tecnologia de Brno, na República Checa.
Lidera um projeto financiado pela UE que visa manipular o nervo vago para aliviar os sintomas da doença inflamatória intestinal, ou DII, que afeta cerca de 3 milhões de pessoas na Europa. Denominado OPTEL-MED, o projeto tem uma duração de cinco anos, até ao final de 2025.
Especificamente, a equipa de Glowacki está a investigar um tipo de DII conhecido como doença de Crohn, que causa diarreia, perda de peso e desnutrição, juntamente com dores de estômago.
Os investigadores estão a desenvolver um implante constituído por eléctrodos para estimular o nervo vago.
Implante movido a luz
O trabalho baseia-se em provas crescentes de que a estimulação do nervo vago em frequências específicas pode ter um impacto enorme no baço - um órgão que está intimamente envolvido no processo inflamatório do corpo.
"Quando o nervo vago dos doentes de Crohn é estimulado com estas frequências, verifica-se uma diminuição global da resposta imunitária esplénica e os sintomas atenuam-se e, por vezes, desaparecem por completo", afirmou Glowacki.
O objetivo da OPTEL-MED é criar um implante que seja muito mais pequeno do que qualquer outro disponível atualmente - um pacemaker, por exemplo, tem o tamanho de uma caixa de fósforos - e que não necessite de cirurgia a cada quatro ou cinco anos para mudar a bateria.
A solução apresentada pela equipa é um implante que seja alimentado por luz nas partes vermelha e infravermelha próxima do espetro. Com esses comprimentos de onda, as partículas de luz podem penetrar na pele e nos tecidos até um implante localizado 2 centímetros abaixo da pele, perto da clavícula, segundo Glowacki.
"A ideia é que o doente coloque um dispositivo, como um smartphone, no pescoço para ativar o implante, que estimula o nervo vago", disse.
Foi testada uma versão super-miniatura do dispositivo em ratos e em ratazanas, até agora com segurança e sucesso.
A seguir, a equipa planeia avançar para mamíferos maiores. Glowacki espera que esta tecnologia sem fios alimentada por luz venha a estar amplamente disponível para os doentes.
"Prevemos que as pessoas com doença de Crohn utilizem os seus implantes da mesma forma que os asmáticos utilizam um inalador", afirmou. "Quando sentem os sintomas a aparecer, seguram no telemóvel e ativam o dispositivo".