Viver mais tempo, viver melhor: novos avanços no tratamento da síndrome de Down
Investigadores financiados pela UE estão a trabalhar para reduzir os riscos para a saúde associados à síndrome de Down e melhorar a qualidade de vida a longo prazo.
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David Clarke leva uma vida ocupada entre dois empregos. Trabalha três dias por semana a reciclar resíduos num supermercado em Drogheda, a sua cidade natal no leste da Irlanda. Nos outros dias, faz a viagem de autocarro de uma hora até à capital, Dublin, para trabalhar num armazém de cabazes de presentes. Aos 44 anos, David prospera ainda que viva com síndrome de Down.
"Ainda vive em casa comigo e com a mãe, mas tem uma vida bastante independente", disse o pai, Pat Clarke, que é voluntário na direção da Associação Europeia de Síndrome de Down (EDSA), uma organização sem fins lucrativos que apoia e representa pessoas com síndrome de Down em toda a Europa.
Riscos de saúde aumentados
As perspetivas de vida e de emprego para as pessoas com esta doença melhoraram significativamente nas últimas décadas, graças aos progressos da medicina e à defesa de causas como a EDSA.
"Quando o David nasceu, em 1981, a esperança de vida de uma pessoa com síndrome de Down na Irlanda era de 20 e poucos anos", disse Clarke. "Agora, são 60 a 70."
Mas ainda há muito a melhorar. Embora a situação atual de David Clarke seja positiva, continuam a existir muitos desafios para as pessoas que vivem com síndrome de Down.
Com uma vida mais longa, aumenta o risco de doenças associadas à síndrome de Down, incluindo a doença de Alzheimer de início precoce e um maior risco de obesidade. A doença pode também causar atrasos no desenvolvimento ao longo da vida, deficiências cognitivas e problemas de saúde graves, incluindo problemas cardíacos e digestivos.
Yann Hérault, geneticista e neurobiólogo do Instituto de Genética, Biologia Molecular e Celular em Estrasburgo, França, lidera uma iniciativa de investigação de cinco anos financiada pela UE, denominada GO-DS21, que visa compreender melhor os riscos de saúde específicos das pessoas com síndrome de Down e a forma de os gerir.
"Até agora não sabíamos exatamente quando e quantas destas comorbilidades apareciam durante a vida das pessoas com síndrome de Down, nem como estavam ligadas entre si", disse Hérault. "É necessário saber isto para compreender a síndrome como um todo."
Compreender as vias e mecanismos biológicos
A equipa GO-DS21 reúne clínicos, fisiopatologistas, bioinformáticos integrativos e cientistas informáticos de inteligência artificial de França, Alemanha, Países Baixos, Espanha e Reino Unido.
Em conjunto, estão a explorar toda a gama de problemas de saúde enfrentados pelas pessoas com síndrome de Down, com especial destaque para a obesidade, a diabetes e a deficiência intelectual. Por exemplo, as suas investigações descobriram que o risco de diabetes para as pessoas com síndrome de Down era quatro vezes superior ao da população em geral entre os 5 e os 24 anos e o dobro entre os 25 e os 44 anos. No entanto, a diabetes não parece ser um fator significativo no desenvolvimento da obesidade em pessoas com síndrome de Down, sugerindo que outros fatores biológicos e genéticos podem desempenhar um papel.
A equipa de investigação descobriu também um maior risco de demência, hipotiroidismo, epilepsia e leucemia, mas uma menor prevalência de asma, certos tipos de cancro, doença cardíaca isquémica e hipertensão arterial.
O seu trabalho vai ajudar a construir uma imagem mais clara do perfil de saúde específico das pessoas com síndrome de Down, incluindo os fatores genéticos e ambientais que contribuem para as diferentes condições que enfrentam.
Melhorar a qualidade de vida
Ao compreender as vias e os mecanismos biológicos que ligam a síndrome de Down a diferentes doenças, os investigadores esperam poder oferecer tratamentos mais eficazes e conselhos de saúde que possam ajudar a melhorar a qualidade de vida em geral.
A investigação é particularmente importante, uma vez que a doença está aparentemente a apresentar uma maior incidência, tendo aumentado de uma estimativa de 16 casos por 10 mil nascimentos em 1990 para 23 em 2015, de acordo com os dados do registo central JRC-EUROCAT da Comissão Europeia.
"A ideia é dar às famílias recomendações baseadas em provas sobre o que podem fazer para minimizar os riscos para a saúde das pessoas com síndrome de Down", disse Hérault.
Para isso, os investigadores realizam reuniões regulares com organizações de doentes, como a EDSA, para partilhar os resultados e recolher impressões, o que contribui para o objetivo da UE de assegurar uma vida independente às pessoas com deficiência, dando-lhes a possibilidade de escolher como, onde e com quem querem viver.
À medida que a equipa aprende mais sobre os fatores que influenciam a saúde das pessoas com síndrome de Down, vai compilando recomendações sobre o estilo de vida, a dieta e o exercício físico que, na sua opinião, podem fazer uma grande diferença. A equipa de investigação também lançou um grande inquérito para coincidir com o Dia Mundial da Síndrome de Down, a 21 de março, com o objetivo de recolher informações junto das famílias que ajudarão a informar a investigação e, em última análise, a melhorar a vida das pessoas com síndrome de Down.
Aumentar as opções de tratamento
No que diz respeito ao tratamento, outra equipa de investigação financiada pela UE, sob a direção do Dr. Rafael de la Torre, neurocientista do Instituto de Investigação do Hospital del Mar em Barcelona, Espanha, está a fazer progressos promissores no desenvolvimento de uma solução farmacológica para melhorar o défice cognitivo das pessoas com síndrome de Down.
Como parte de um esforço de investigação internacional de cinco anos chamado ICOD, a Aelis Farma, uma empresa de biotecnologia de Bordéus, França, está a trabalhar num medicamento experimental chamado AEF0217 que tem como alvo uma parte do cérebro que desempenha um papel na memória e na aprendizagem: o recetor CB1.
Este recetor é propenso a uma atividade excessiva nas pessoas com síndrome de Down, o que se acredita contribuir para deficiências cognitivas. O AEF0217 atua como inibidor seletivo do CB1, reduzindo esta hiperatividade sem bloquear completamente o recetor.
Os potenciais benefícios para as pessoas com síndrome de Down incluem capacidades cognitivas melhoradas, especialmente na aprendizagem e na memória, e uma maior independência na vida quotidiana graças a melhorias na concentração e na resolução de problemas.
O AEF0217 está atualmente em ensaios clínicos, com os primeiros resultados a revelarem-se promissores. Se for bem-sucedido, poderá ser o primeiro tratamento aprovado para melhorar a função cognitiva em pessoas com síndrome de Down.
"É a primeira vez que temos nas nossas mãos um tratamento com potencial para melhorar efetivamente a deficiência intelectual em pessoas com síndrome de Down", afirmou de la Torre. "Isto vai ajudá-los a integrarem-se melhor na sociedade e a terem melhores oportunidades de trabalho."
Ação rápida Foi dado um passo importante num primeiro ensaio de um mês, em 2024, que pareceu demonstrar a segurança do medicamento e a sua potencial eficácia.
Entre 29 pessoas com síndrome de Down, com idades compreendidas entre os 18 e os 35 anos com incapacidade ligeira ou moderada, o tratamento resultou em melhorias significativas na comunicação verbal e escrita, nas capacidades de vida diária e nas interações sociais. Os participantes também demonstraram maior flexibilidade na adaptação a novas situações.
"Estes efeitos foram observados em apenas quatro semanas, o que é fantástico", disse de la Torre. "Normalmente, com um tratamento para as funções cognitivas, é expectável esperar cerca de três a seis meses para observar melhorias."
Quando a iniciativa ICOD de cinco anos terminar, em janeiro de 2026, a equipa terá concluído um ensaio de maior dimensão com cerca de 200 participantes em França, Itália e Espanha. De la Torre acredita que o medicamento poderá estar pronto a ser utilizado dentro de cerca de três anos, se for acelerado.
Para além de ter o potencial de melhorar a vida das pessoas com síndrome de Down, um tratamento como este poderia também reduzir significativamente o stress dos pais, afirmou. "Ter um tratamento vai mudar tudo."
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.