Clóvis Abreu, cidadão absolvido da morte de um agente da PSP, apresentou uma queixa-crime conta André Ventura por difamação agravada e discriminação e incitamento ao ódio. Em causa, declarações proferidas na rede social TikTok em abril deste ano.
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Segundo a queixa a que o JN teve acesso, Clóvis Abreu insurge-se contra o facto de André Ventura o ter acusado, "sob o epíteto mentiroso, deplorável, execrável e injustificado", de matar "um polícia à pancada" e ter tido "pena reduzida" quando, na realidade, foi absolvido desse crime nos tribunais superiores.
No vídeo, publicado a 11 de abril deste ano, o líder do Chega alega que Clóvis "espancou um polícia com outros", que "depois de assassinar um polícia à pancada ainda fugiu" e que "era cigano". A queixa frisa que só esta última imputação é verdadeira.
Mais: segundo a denúncia, Ventura diz que houve "uma negociação entre o Estado português e a comunidade cigana e outras pessoas para que Clóvis se apresentasse à justiça" e que ainda teve pena reduzida, o que também não é verdade, garante o visado.
Condenado e depois absolvido
A queixa recorda que em primeira instância, a 19 de novembro de 2024, Clóvis Abreu foi condenado a 14 anos de prisão efetiva por um crime de homicídio qualificado, duas tentativas de homicídio qualificadas e dois crimes de ofensas à integridade física graves. Após recurso, a 9 de abril de 2025, ainda antes da publicação do vídeo, o Tribunal da Relação de Lisboa absolveu-o do homicídio qualificado consumado e aplicou uma pena única de seis anos de prisão. Decisão confirmada em setembro de 2025, pelo Supremo Tribunal de Justiça, tendo a sentença já transitado em julgado.
Segundo a queixa agora apresentado, o vídeo, que continua a ser "ouvido/visualizado por milhares de pessoas" causou "grande revolta, angústia e desespero" a Clóvis que se sentiu "difamado". Os factos imputados ao denunciante, além de serem "falsos, são extremamente ofensivos a nível pessoal e à comunidade cigana, como se todos a ela pertencentes fossem criminosos/homicidas e 'in casu', se demonstrou o inverso".
Difamar "toda uma comunidade de etnia cigana"
Em conclusão, a queixa acusa André Ventura de difamar o denunciante e "toda uma comunidade de etnia cigana, de forma mentirosa, injusta e desprovida de qualquer conteúdo, apelando e incitando ao ódio, de um menosprezo gratuito, e sem qualquer sustentação". Para o queixoso, não restam dúvidas de que praticou, em concurso efetivo, um crime de difamação agravado e um crime de discriminação e incitamento ao ódio e violência.
"É inadmissível que um conselheiro de Estado, deputado na Assembleia da República, doutorado em Direito e presidente de um partido político, com as inerentes responsabilidades éticas, políticas e de cidadania acrescidas pelos cargos que ocupa, tenha um discurso mentiroso, xenófobo, discriminatório, terceiro mundista e inaceitável num Estado de Direito democrático, pelo que, pelo menos, deve ser escrutinado, e punido, em sede criminal, atacando-se pessoalmente o denunciante e a etnia a que o mesmo pertence de forma caluniosa e gratuita", considera a queixa, frisando que "a liberdade de expressão tem os seus limites".
Homicídio ocorreu em março de 2022
Os factos em causa reportam-se à madrugada de 19 de março de 2022, à porta da discoteca Mome, em Alcântara, Lisboa, quando um grupo de agentes da PSP, fora de serviço, tentou pôr cobro a uma violenta zaragata que envolvia dois fuzileiros. Um polícia, Fábio Guerra, foi agredido com grande violência, tendo sofrido danos cerebrais graves e irreversíveis, que lhe provocaram a morte dois dias depois.
Dois arguidos, fuzileiros de profissão, foram acusados e condenados a penas de 20 e 17 anos de prisão. Clóvis Abreu, que também esteve envolvido na zaragata esteve desaparecido, mas acabou por se entregar à justiça na companhia do seu advogado. Em primeira instância foi condenado, mas acabou por ser absolvido da morte de Fábio Guerra pela Relação de Lisboa e pelo Supremo Tribunal de Justiça.