No último ano e meio, foram adiadas cerca de 160 mil diligências nos tribunais e departamentos do Ministério Público (MP), a grande maioria por motivos não relacionados com a covid-19. O número - que corresponde a uma média de 293 adiamentos por dia - representa quase um sexto do total de sessões agendadas no mesmo período.
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A marcação de vários julgamentos para a mesma hora, a indisponibilidade de salas, a falta inesperada de um arguido, testemunha ou advogado, e o desejo, no cível, de vítima e demandado chegarem a acordo são alguns dos fatores que, segundo os representantes dos profissionais do setor, explicam os reagendamentos.
Os dados, da Direção-Geral de Administração de Justiça (DGAJ), foram fornecidos ao JN pelo Ministério da Justiça. Em 2021, foram realizadas 533 198 diligências e adiadas 99 030. Destas, somente 3821 (3,9%) tiveram de ser reagendadas por contingências da pandemia.
Já este ano, a atividade nos tribunais e no MP subiu, tendo sido feitas, só entre 1 de janeiro e 30 de junho, 335 917 diligências. Outras 60 916 foram adiadas. O mês mais problemático foi janeiro, o último em que a DGAJ monitorizou os reagendamentos por covid-19: 2536 em 17 019 (14,9%) registados naquele período.
Feitas as contas, entre 1 de janeiro de 2021 e 30 de junho de 2022, foram agendadas 1 029 061 diligências, das quais 15,6% foram adiadas. Os adiamentos, proporcionalmente constantes de um ano para o outro, referir-se-ão sobretudo a audiências de julgamento.
número é "excessivo"
O líder da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Manuel Soares admite que o número de reagendamentos é "excessivo", mas ressalva que "há sempre um conjunto de imponderáveis que impede" que se atinja os 100% de "julgamentos marcados feitos na data".
"Se estamos a falar de um número relativamente constante ao longo dos anos, provavelmente é um número a partir do qual não é fácil baixar", acrescenta Manuel Soares, alertando que medidas como impor que o julgamento continua, independentemente de quem falte, pode comprometer a defesa dos arguidos.
O presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, António Marçal, propõe outra solução: uma gestão centralizada dos agendamentos por cada edifício, de modo a "evitar sobreposições". Até porque, acrescenta, além de haver uma "marcação excessiva" de diligências por parte dos juízes, por vezes nem há salas disponíveis.
Um pormenor que, conjugado com o facto de muitos magistrados e advogados terem a seu cargo dezenas de casos, pode contribuir para atrasar significativamente a conclusão de um processo.
Adiamento implica atraso
"Como as agendas estão muito sobrecarregadas, e com limitações simultaneamente de salas disponíveis, o adiamento de uma diligência às vezes implica um atraso de quatro ou cinco meses, porque até lá não há data disponível no tribunal", refere o líder do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, Paulo Pimenta. Este tipo de situações, defende, põe em causa a "confiança" dos cidadãos no "normal funcionamento da Justiça".
O seu homólogo de Lisboa, João Massano, concorda e acrescenta que conhece casos de quem não queira depor porque sabe que arrisca ter de lá ir várias vezes. Considera, por isso, que "o próprio sistema em si tem de ser reformulado".
Já o presidente do Sindicato dos Magistrados do MP, Adão Carvalho, não se quis pronunciar, por não conhecer os dados da DGAJ.
Pormenores
Sem monitorização
Em fevereiro, a tutela deixou de monitorizar o número de adiamentos devido à covid-19. Em janeiro, o número tinha disparado à boleia da variante ómicron, transmitida mais facilmente.
Comarcas afetadas
Lisboa, Porto, Braga e Aveiro foram as comarcas mais afetadas, em 2021 e em janeiro deste ano, por reagendamentos de diligências por motivos relacionados com a pandemia.
Menos atingidas
No extremo oposto, estão as comarcas da Madeira, Viseu, Bragança e Castelo Branco, com poucas dezenas de adiamentos registados devido à covid-19.