Afastada do processo juíza que entregou bebé lactente ao pai nos fins de semana

Vice da Relação decidiu incidente com poderes delegados pela presidente
Global Imagens / Gerardo Santos
Relação de Lisboa invoca necessidade de garantir confiança na Justiça. Mãe acusou magistrada de Cascais de maus-tratos e de parcialidade.
A juíza do Tribunal de Família e Menores (TFM) de Cascais, Andreia Ramos Cabrita, foi afastada do processo no qual, em outubro, ordenou que uma bebé de dez meses, que é amamentada pela mãe, passasse fins de semana alternados (com pernoitas) em casa do pai. O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) respondeu assim ao incidente de suspeição sobre a imparcialidade da juíza, que aquela mãe suscitou dias depois de apresentar uma queixa-crime contra a mesma, por alegado crime de maus-tratos ou de ofensas corporais da bebé lactente, filha de pais separados.
"Entendemos existir uma situação excecional que aconselha a que a sr.ª juíza não permaneça na condução dos autos", concluiu agora a vice-presidente do TRL, Maria do Rosário Gonçalves, numa decisão pouco comum que valorizou "aspetos graves que indiciam estar posta em causa a confiança sobre a imparcialidade" da magistrada de Cascais.
Perante requerimento de Gameiro Fernandes, advogado da mãe deste processo, a vice da Relação viu ali invocadas a imparcialidade da colega do TFM, por um lado, e a pendência do inquérito-crime resultante da queixa da mãe lactante contra ela.
Embora o Ministério Público não tenha ainda deduzido ali qualquer acusação contra Andreia Ramos Cabrita, a desembargadora do TRL entendeu que a existência do inquérito, só por si, criaria "constrangimentos recíprocos", se mantivesse a colega no processo, em que há de ser decidida a guarda da criança. "Por mais imparcial que fosse a sr.ª juíza, restaria sempre a dúvida perante os intervenientes processuais sobre a imparcialidade da mesma", argumentou, privilegiando a necessidade de não abalar a confiança na Justiça.
De resto, vendo na satisfação daquela necessidade motivo suficiente para decidir como decidiu, a desembargadora dispensou-se de apreciar a invocada parcialidade da juíza de direito.
Ventos da Europa
Ao JN, o advogado da lactante mostrou-se satisfeito com o TRL. "Está a enveredar pelo caminho correto", comentou Gameiro Fernandes, por aquele ter seguido "as orientações da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos", que vem acentuando a importância de o juiz não só ser imparcial, como parecê-lo.
Logo que o incidente de suspeição foi apresentado, a juíza visada foi substituída por uma colega, que se deverá manter no processo.
Juíza concedeu fins de semana alternados sem referir amamentação
A relação dos pais da bebé começou em 2020 e acabou em 2022, com uma queixa da mãe, residente em Cascais, contra o pai, de Benavente, por violência doméstica. Como noticiou o JN em 14 de outubro, aquela também pediu ao Tribunal de Família e Menores (TFM) de Cascais a regulação provisória de responsabilidades parentais, acusando o ex-companheiro de ter ido buscar a bebé à creche sem a avisar, privando a criança de leite materno. O Ministério Público pediu que o pai entregasse a bebé à mãe, por se tratar de "mau-trato privá-la de lactação". E a juíza do TFM concordou que assim seria, se a privação ocorresse "de um momento para o outro". O pai, quatro dias depois, devolveu a bebé à mãe. Mas, nas duas semanas seguintes, foi buscá-la à creche mais três vezes, sem atender aos horários da amamentação, e pediu para ficar com ela semana sim, semana não. Já a mãe só admitia que o pai tivesse visitas supervisionadas. A 11 de outubro, a juíza agora afastada do processo ordenou que a bebé passasse fins de semana alternados, sem fazer referência à questão da amamentação. O advogado da mãe, Gameiro Fernandes (na foto), reagiu com uma queixa-crime contra a juíza, por alegado crime de maus-tratos ou de ofensas corporais, e com o incidente de suspeição sobre a magistrada.

