M. tinha 27 anos quando, em 2016, saiu de casa com as duas filhas por ter sido agredida pelo seu namorado, à data com 29 anos.
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Mudou-se então para a residência dos pais e, mais tarde, tentou candidatar-se a uma casa municipal, na Amadora. Mas não conseguiu: oficialmente, residia ainda com o seu ex-companheiro numa habitação social no mesmo concelho. Agora, o Tribunal da Relação de Lisboa determinou que são a vítima e as duas crianças e não o agressor quem tem direito a viver naquele apartamento. Até porque, sublinham os juízes desembargadores, a saída da mulher, há cinco anos, da residência foi, dada a violência que sofrera, "mais do que justificada".
A decisão - que confirma a que tinha sido tomada, em 2020, pelo tribunal de primeira instância - não é inédita. Mas implica, segundo especialistas ouvidos pelo JN e tal como noutros casos similares, que juízes e autarquias tenham em atenção se é seguro para a vítima regressar a uma morada conhecida do seu agressor. Dependerá sempre do grau de risco para a pessoa agredida: quanto mais elevado for, mais adequado será passar a residir noutro local.
Salvaguardar segurança
"O agressor sabe onde a vítima vive. Apesar de não estar lá, vai contactar com ela à mesma; vai, de alguma forma, persegui-la e saber onde está", explica Daniel Cotrim, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV). O que não quer dizer que não possa existir uma solução intermédia. "Por exemplo, nessa situação [da Amadora], se for uma situação de perigo, a senhora pode pedir a permuta dessa habitação social para uma localização desconhecida do condenado", salienta Alexandra Dourado, diretora técnica do Centro de Atendimento Mulher (CAM) da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), em Almada.
Ficou sozinho num T2
No acórdão datado de 13 de maio, destinado a determinar quem fica com o arrendamento da casa no âmbito da dissolução da união de facto do casal, a questão da segurança não é abordada pelos juízes desembargadores. Os magistrados lembram, contudo, que o abandono da habitação pela mulher nunca se poderia traduzir, atendendo ao ordenamento jurídico nacional, numa perda do direito à casa. E acrescentam que "a questão da violência doméstica não só pode como deve ser tomada em consideração para a atribuição da morada da família", precisando que, "de forma alguma, se podia impor" à vítima que continuasse "a sujeitar-se a viver por mais tempo" no contexto de agressões domésticas por parte do seu, à data, companheiro.
"Quem beneficiou do uso integral da casa durante este lapso temporal, com o desenrolar dos processos judiciais e com o não reporte da verdade sobre o número de habitantes da casa à Câmara Municipal da Amadora, foi o recorrente", concluem Maria Amélia Ameixoeira, Rui Moura e Maria do Céu Silva.
Desde 2016, M. residiu com mais nove familiares, incluindo as filhas com menos de dez anos, num T4, dormindo no mesmo quarto que as meninas. Já o seu agressor, considerado inimputável e punido em 2017 com uma pena suspensa de internamento por violência doméstica, viveu sozinho, no mesmo período, no T2 que a autarquia atribuíra à família e que terá agora de abandonar. Têm ambos um rendimento mensal inferior a 650 euros.
Custo de vida
Preço das casas subiu mais 31% do que rendimentos
Entre 2015 e 2020, o preço das casas subiu mais 31% do que os rendimentos, em Portugal. Foi a pior evolução da OCDE. Em 2019, quase três milhões de famílias residentes em território nacional tinham rendimentos considerados baixos, de até 13 500 euros anuais. Havia ainda outros 1,7 milhões de agregados com rendimentos anuais entre os 13 500 e os 32 500 euros. No ano passado, o preço do metro quadrado na compra de casa era, em média, de 1188 euros, variando entre os 455 euros no Alto Alentejo e os 1771 no Algarve.
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